Entre Linhas - Água, Gentileza e gérberas
Estou com o péssimo hábito de escrever sob pressão. Não sei se é porque me acostumei com a adrenalina ou se estou vivendo melhor e deixando cada “obrigação” para o seu devido tempo. Essa crônica, por exemplo, sairá na edição da próxima terça, 13/05 e, hoje, domingo das mães, é que me sento para costurar ideias, palavras e sinais gráficos. Ao final, meu desejo é que tanto eu, quanto vocês que me leem, se sintam encantados e aconchegados, mesmo que tenha demorado um tantinho para dar o arremate.
Revelando de leve um pouquinho mais da minha vida privada – é só um tiquinho – digo-lhes que criei o projeto Para aproveitar melhor a próxima ida a cachoeiras. O objetivo é perder uns quilinhos básicos e sofrer menos com os sobes, desces, escorregões, tropeços e quedas, antes, lógico, de os olhos se maravilharem diante do que é indizivelmente belo.
O fato é que, além dos 9km que caminho em dias alternados, faço pilates e sigo orientações da nutricionista. Assim como as idas às cachoeiras, meu plano segue bem acompanhado.
O percurso emagrecedor é sedento. Lembro-me de quando morei em Campo Mourão, Oeste do Paraná, participava de algumas corridas e, em um dos percursos, um senhor ficava com a mangueira esguichando água nos corredores. Era necessário e maravilhoso. Agora, já não corro, como falei, apenas caminho e por aqui ainda não apareceu ninguém nos dando um banho de ânimo, por isso tenho que dar “meus pulos”. Entretanto, hoje aconteceu algo interessante. Tão interessante que, a crônica que seria sobre sotaques, deu lugar à Água, gentileza e gérberas. Vejam só.
Ao final dos três quilômetros iniciais, com o sol já abrindo os braços, eu pensando em parar na conveniência logo à frente para comprar uma garrafinha de água mineral, percebi um homem encostado no carro, com um “filtro” térmico, oferecendo água as pessoas. Aquela atitude nobre despertou em mim todas as boas sensações e bons sentimentos que estavam levemente adormecidos. E eu só conseguia pensar uma coisa:
- O que será que faz alguém acordar às 6:30 da manhã, em domingo especial, encher a garrafa térmica com água bem geladinha, pegar uns copos descartáveis e oferecer aquela química simples às pessoas que, assim como eu, tentam ser determinados em suas decisões?
O que se instalou em meu pensamento como resposta foi o bom e velho lugar-comum:
- Cada um dá o que tem.
E por falar nisso, na tentativa de ampliar o que corre de boca em boca, trago o que recentemente escreveu o professor Felipe Figueira na sua coluna Travessias, nesse nosso querido jornal: Cinco situações nada excepcionais. Transcrevo aqui para vocês a quarta situação, de alguma maneira ela conversa com essas minhas mal traçadas linhas.
4. A família de um estudante está em pé de guerra. Antes esse aluno era tranquilo, amigável, mas, em pouco tempo, ele passa a ter comportamentos agressivos com você. Uma vez que vocês sempre foram próximos, ele resolve compartilhar que os pais estão se separando e que tudo tem sido motivo para guerra dentro de casa. O que fazer? (Figueira, 2025, p. 2).
A situação descrita pelo meu colega e amigo é muito comum. Nós, que estamos diuturnamente vivendo com crianças e adolescentes, sabemos que tudo que os envolve é muito delicado e, na maioria das vezes, eles trazem para a sala de aula exatamente o que têm.
- Se era apenas violência que o aluno tinha, o que daria de diferente?
Para elaborar melhor uma resposta, sugiro que leiam as outras quatro situações[1] descritas por Felipe. Nesse caso, torna-se máxima não só o que nos disse o profeta José Datrino[2], - Gentileza gera gentileza - mas também o oposto dela, infelizmente.
Entretanto, não vou concluir essa escrita, nessa semana repleta de amor e carinho, com a sensação oposta ao ser gentil. Para isso, recorro às inesgotáveis lembranças que guardo sobre Mainha.
Gérberas são flores lindas, altivas e delicadas. Caule fino, esguio e oco que levam a pétalas macias, compridas e coloridas. Lá na roça tinha de diversas cores. Lembro as muitas vezes que Mainha as colhia e levava, aos domingos, para enfeitar a mesa principal da igreja.
Ela, Mainha, cuidava bem do seu jardim. Um dia detalho para vocês porque eu não gostava muito quando era obrigada a molhar suas inúmeras plantas, apesar disso, me lembro com carinho dos grandes cachos de Rosa branca e das também esguias Palma-de-Santa Rita e Angélica.
Voltando à doação que ela fazia, fico imaginando o que sentia ao ver o fruto do seu cuidado sendo admirado por todos. Deveria ser uma mistura de realização e prazer. Essas velhas memórias me levam de volta ao lugar-comum e, de maneira categórica, afirmo:
- Cada um coloca no altar o que tem. Mainha colocava flores, o desconhecido dessa manhã, água. Dessa forma, vários sentidos se satisfazem.
Mainha e sua gérbera rosa |
Gérbera branca simples |
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Fonte: Hadassa Cruz |
Fonte: https://encrypted-tbn0.gstatic.com/images?q=tbn:ANd9GcT1Dt-QIPYSSL-gSrtUf5P1A966GaU_M0eBoA&s |
[2] José Datrino, chamado Profeta Gentileza, (Cafelândia, São Paulo, 11 de abril de 1917 — Mirandópolis, São Paulo, 29 de maio de 1996) tornou-se conhecido a partir de 1980 por fazer inscrições peculiares sob um viaduto no Rio de Janeiro, onde andava com uma túnica branca e longa barba. (https://gentilezageragentileza.wordpress.com/biografia-completa/).