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Sófocles. “Antígona”


Por: Dr. Felipe Figueira
Data: 11/11/2024
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Antígona:

Não fui gerada para odiar, mas para amar.

(SÓFOCLES, 2016, p. 39).

Ao final de “Édipo em Colono” vemos Ismene e Antígona indo a Tebas para que mais uma tragédia na família fosse evitada, o confronto entre os irmãos. Porém, a ação das irmãs não logra êxito e um morre pelos braços do outro. A sina da família dos labdácidas é das piores. Uma pena é acompanhada por outra, uma maldição por outra.

Sobre a antiga casa dos labdácidas – percebo –

penas dos que partiram pendem sobre penas,

sem que de nenhuma geração

venha refrigério a outra, penas

derramadas por um deus, e não têm fim. (SÓFOCLES, 2016, p. 45).

Em “Antígona” se vê a história de uma mulher determinada, que não se preocupa com a gravidade das consequências se o que ela pretender fazer é justo. É certo que a justiça é capaz de ser vislumbrada sob inúmeros ângulos, conforme demonstra “O caso dos exploradores de cavernas”, de Lon Fuller, mas, o ângulo de Antígona é o de que ao irmão Polinice, independente do decreto de Creonte, era importante lhe fazer o sepultamento. E que decreto foi esse? O de que Polinice deveria perecer insepulto, para ser devorado por cães e abutres, por ter entrado em confronto contra Tebas.

Mais do que a história de uma irmã querendo enterrar o irmão, o que se percebe em “Antígona” é uma obra de alto teor político, em que se questiona não só a sina de Édipo e de seus filhos, aceita por Antígona, mas questões de ordem jurídica e política. Jurídica porque um decreto é o centro das desavenças, e políticas, pois Creonte, que ficou no poder após Édipo e seus filhos, era um tirano. Beira o absurdo os diálogos, na verdade, a ausência de diálogo de Creonte diante de Antígona, de Hemon, seu filho e noivo da protagonista, e do adivinho Tirésias.

Creonte: O inimigo, nem morto, será considerado justo.

Antígona: Não fui gerada para odiar, mas para amar.

Creonte: Muito bem, se precisas amar os mortos,/ incorpora-te a eles,/ ama-os. Mas, em minha vida, não permitirei/ que uma mulher governe. (SÓFOCLES, 2016, p. 39).

Creonte: A cidade, acaso, me dirá como devo agir?

Hemon: Não percebes que falas como um/ jovem inexperiente?

Creonte: Por vontade de outro hei de governar/ esta cidade ou por minha?

Hemon: Não há cidade que seja de um só?

Creonte: A cidade não pertence a quem governa? (SÓFOCLES, 2016, p. 53).

Tirésias: Ultrajas, contudo, se declaras meus vaticínios mentirosos.

Creonte: A classe dos adivinhos é ávida de dinheiro.

Tirésias: Os tiranos preferem lucro desonesto.

Creonte: Sabes que te referes a quem te governa? (SÓFOCLES, 2016, p. 73).

Abrindo um paralelo, a situação de Polinice faz lembrar o que é dito na Bíblia, em 28 de Deuteronômio, sobre os castigos que virão sobre aqueles que desobedecer aos estatutos de Deus. Se a pessoa os observasse, viriam bênçãos, porém, se não, castigos dos mais terríveis, como o a seguir: “E o teu cadáver será por comida a todas as aves dos céus, e aos animais da terra; e ninguém os espantará.” (Deut. 28:26). No.caso de Creonte, que se julgava um deus, a lógica é semelhante: a Etéocles honra, mas ao combatente, escárnio.

Como estamos diante de uma tragédia, o que se espera de “Antígona”, até por ser o desfecho da trilogia tebana? O ápice do sofrimento. Não é difícil de deduzir que um mal chame a outro, e que o destino de Antígona e de seu noivo não seja dos melhores. Acontece que a história, do início ao fim é terrível, chegando ao ápice do sofrimento nas últimas linhas. Antígona, ciente do que lhe esperava, até por conhecer a vontade dos deuses, leva à efeito seu intuito de enterrar o irmão e isso lhe é imputado por justiça pelos habitantes de Tebas, bem como pelo noivo, mas, como a palavra de um tirano é dura, inflexível, as consequências são pesadas. Que não se perca de vista que Antígona é sobrinha de Creonte. Logo, estamos diante de uma tragédia familiar, até porque muitas das tragédias, do passado e do presente, se dão nessa instituição. Coisas aparentemente pequenas, no seio familiar podem atingir proporções inimagináveis, ou só imagináveis por meio do olhar de um grande artista, como foi Sófocles.

Antígona:

(...) Se antes da hora

morremos, considero-o ganho.

Quem vive num mar de aflições iguais

às minhas, como não há de considerar a

morte lucro?

Defrontar-me com a morte

não me é tormento. Tormento seria,

se deixasse insepulto

o morto que procede do ventre

de minha mãe.  Tuas ameaças não me atormentam.

Se agora te pareço louca,

pode ser que seja louca aos olhos de um louco. (SÓFOCLES, 2016, p. 34-35).

Bíblia Sagrada. Trad. de João Ferreira de Almeida. São Paulo: Geográfica, 2010.

Sófocles. Antígona. Trad. de Donaldo Schüler. Porto Alegre: L&PM, 2016.

Dr. Felipe Figueira

Felipe Figueira é doutor em Educação e pós-doutor em História. Professor de História e Pedagogia no Instituto Federal do Paraná (IFPR) Campus Paranavaí.


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