Preconceitos contra as humanidades
Por vezes fui instigado a escrever um texto sobre o menosprezo no qual a área de humanas recebe se comparado com a de exatas ou biológicas. Não são poucas as charges e piadas feitas para fazer troça a um sociólogo. Já ouvi alunos brincarem: “Professor, o senhor vai fazer miçangas hoje? Ou aplaudir o pôr-do-sol?” Por mais que eu sempre corrigisse esse tipo de discurso, nunca consegui imaginar um texto, até que a ideia nasceu.
Primeiro que, como dizia Freud (2010), “Numa brincadeira pode-se até dizer a verdade”. A verdade, obviamente, não é definitiva, mas pautada em valores. Exemplo: uma pessoa faz uma piada de loira e logo em seguida faz uma racista. Por trás de uma aparente brincadeira está um reforçar de preconceitos: de um lado a inferiorização da mulher, em especial da loira, e de outro um inferiorizar do negro. Logo se vê que o que se passa por humor era um humor que tendia à diminuição do outro, um reforçar dos estereótipos. A piada traz em si, não raro, a ofensa.
Quando ouço uma piada sobre as humanidades é possível observar de um lado a inteligência e de outro a burrice. Do lado da inteligência estaria tudo que não é de humanas. Tal ideia é maniqueísta, simplista, e em realidade não deveria ser levada a sério se não trouxesse consequências práticas e nefastas.
Segundo que, como dizia Wittgenstein (2010), “os limites da minha linguagem significam os limites do meu mundo”. Assim, é próprio de quem se enveredou pela área de história falar mais de história do que de física, e vice-versa. Falamos do que vivemos. Estranho seria alguém fazer o contrário (porém, a interdisciplinaridade, a transdisciplinaridade e a indisciplinaridade são também desejáveis, como se verá abaixo). É perigoso quando alguém se coloca a falar de tudo e dar fórmulas para se ler o mundo. O mundo não é passível de ser conhecido por completo.
A criança, ou o espírito da criança, é por natureza indisciplinar. Indisciplinar no sentido de não respeitar a fragmentação dos saberes. Ora ela pergunta “o que é Deus?”, ora ela pergunta “por que os peixes não se afogam?” Da filosofia à biologia a criança vai em um minuto. Tal espírito deveria ser valorizado, como um dos pilares da criatividade.
Quando ouço o menosprezo pelas humanas, sob a perspectiva acima, vejo que a pessoa deixou o espírito da criança de lado e, sob rótulos pragmáticos e se submetendo a parâmetros externos, se põe a julgar o mundo. Que mundo é esse que a pessoa vive que ela fala contra outros mundos? Será que ela já é alguém formada, por exemplo, em Física ou Engenharia Civil e daí só fala de cálculos? Ou é alguém que comprou um discurso e a ele se vendeu? De toda forma, a ideia de “aplaudir o pôr-do-sol” só faz refletir um mundo pobre no qual a luz foi embora.
Ludwig Wittgenstein. Tractatus Logico-Philosophicus. São Paulo: EDUSP, 2010.
Sigmund Freud. O chiste e sua relação com o inconsciente. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.