Os clássicos
Mesmo após tantos anos das mortes de Homero, Dante, Cervantes e Machado de Assis, o que ainda nos atrai em suas obras? Seria o fato de que, sendo clássicos, resistem ao poder avassalador do tempo? Provavelmente esta seja uma boa resposta, mas, e a título de simples complemento, em uma conversa com um amigo e com uma ex-aluna, me vieram duas imagens sobre os clássicos que se tornarão o mote desse texto.
Primeira imagem. Para algo ser clássico não é preciso que tenha vivido há cem ou há mil anos. Por mais que o critério temporal seja uma baliza para o poder dos clássicos, ele, por si só, não é suficiente. Desconfio que os clássicos conseguiram olhar pelo buraco da fechadura e viram como é a vida, indiferente de passado, presente e futuro. É como se os clássicos tivessem captado a vida em sua nudez, em sua realidade mais fundamental. Por trás de tantas máscaras que a vida se manifesta, os clássicos conseguiram ver os bastidores, a escolha dos papéis e os atores em sua vida mais essencial.
No entanto, a vida é cheia de surpresas e rasteiras. O que em determinada época julgávamos verdade, em outra, novas verdades se manifestam. Parece haver sempre uma máscara por trás de outra máscara. Por isso que o termo mais adequado nesse contexto é interpretação, ao invés de verdade, uma vez que esta tantas vezes coaduna com o imutável.
Quando assisti ao filme “Parasita”, de 2019, o critério temporal seria a última baliza para chamar esta película de clássica. Porém, o diretor Bom Joon Ho conseguiu mostrar uma dura realidade, dicotômica, mas não simplista, entre ricos e pobres, entre vida potente e vida parasitária. O resultado é uma crônica que está muito além da realidade sul-coreana, mas que pode facilmente ser enxergada no contexto brasileiro.
Segunda imagem. Estudar os clássicos é como adquirir bons materiais para a construção de uma casa. Por esse motivo que se a pessoa parar nos comentários pelos comentários pode ter construído o conhecimento de forma frágil. Não há comentador de Homero que substitua Homero.
Por fim, quando alguém me diz que um autor que faleceu há cem anos tem uma escrita como se fosse de ontem, eu digo que esta é uma visão fraca e errônea. E qual seria uma visão forte e “correta”? A de que o autor escreveu como se vivesse além do seu tempo, quem sabe até do próprio tempo, e não como se viesse um dia atrás de nós, mortais.
Dr. Felipe Figueira
Felipe Figueira é doutor em Educação e pós-doutor em História. Professor de História e Pedagogia no Instituto Federal do Paraná (IFPR) Campus Paranavaí.