Cuidados com a escrita
Escrever não é falar sobre tudo. Ao mesmo tempo, escrever é falar sobre tudo, mas não de qualquer maneira. Há jeitos e jeitos para alguém se comunicar, e uma escrita cuidadosa sabe que há várias armadilhas a serem evitadas.
Nietzsche, um grande filósofo e prosador da língua alemã, zelava pela escrita e criticava o que entendia por jornalismo, a saber, um tipo de atividade mais preocupada em informar do que formar, mais preocupada com a rapidez do momento do que com o apurar de um texto. Nesse horizonte dizia o filósofo alemão que os jornalistas são “(...) escravos dos três ‘M’: o momento, as maneiras de pensar e os modos de agir” (NIETZSCHE, 2003, p. 189).
Não cabe aqui esclarecer até que ponto as críticas de Nietzsche estão corretas ou não, mas o que ele alerta permanece válido. Há armadilhas que a escrita deve evitar. Cabe apenas ilustrar o que seriam “o momento, as maneiras de pensar e os modos de agir”.
Há situações no mundo tão chocantes que chegam a envolver todo mundo. Essas situações são das mais diversas, e, de repente, alguém se vê falando sobre algo que nunca falou antes. Quando surge uma doença, um vírus, é tentador comentar de saúde e medicamentos e até se portar enquanto um cientista.
De acordo com o momento, começam a surgir chavões, na verdade, chuva de chavões, e a vastidão do vocabulário se reduz a meia dúzia de palavras. Quando Nietzsche valorizava a língua e os clássicos a preocupação não era outra se não a de não reduzir o maior ao menor. A língua é sempre maior do que gritos de guerra e clichês. A questão dos clichês é que eles são caixas, e quem está fora é como se fosse um imigrante ilegal.
O momento condiciona os modos de pensar que, por sua vez, geram modos de agir. Ocorre um curto-circuito, uma ação-reação simples incapaz de contemplar a vida. O que a tragédia grega apreendeu, segundo o filósofo alemão, é que a ação humana é sempre menor que a vida. Mas, por simplicidade ou qualquer outro motivo, os modos de agir acabam sendo dualistas, metafísicos, onde há sempre o polo negativo e o polo positivo. Com isso significa que a escola não deve combater a barbárie, como queria Adorno? Ela deve. Porém, para combater a barbárie é preciso se colocar além do bem e do mal, como almejava Nietzsche.
Voltando ao tema da escrita. Por mais tentador que seja, uma escrita que busque o zelo não pode se reduzir a falar só sobre o momento. O mundo não é uma ilha sem ligações com o passado e o futuro. A escrita também não pode se levar por chavões, pois estes são chaves que podem fechar as portas para novas perspectivas. Há muitos parasitas que minam a escrita, dentre eles os três “M” alertados por Nietzsche. Quanto à ação, ela é tão múltipla quanto a própria vida, o que significa que os modos de agir do escritor devem ser tão valorizadores da pluralidade quanto possível.
Friedrich Nietzsche. III Consideração Intempestiva - Schopenhauer como educador. Rio de Janeiro: Ed. PUCRio; São Paulo: Loyola, 2003
Dr. Felipe Figueira
Felipe Figueira é doutor em Educação e pós-doutor em História. Professor de História e Pedagogia no Instituto Federal do Paraná (IFPR) Campus Paranavaí.