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Flaubert, a ansiedade e o dia a dia docente


Por: Dr. Felipe Figueira
Data: 22/06/2023
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Gustave Flaubert, em “Cartas Exemplares”, revela toda a angústia que sentia ao escrever. É interessante ler essa obra, pois ela traz retratos do escritor desde a infância até a velhice, com especial detalhes para o período de criação de “Madame Bovary”. Dizia Flaubert, durante a escrita deste clássico:

 

Eu não sei se é a primavera, mas estou com um mau humor prodigioso; tenho os nervos irritados como fios de latão. Estou com raiva sem saber de quê. deve ser meu romance talvez a causa. Não vai, não anda. Estou mais cansado do que se empurrasse montanhas. Há momentos em que tenho vontade de chorar. É preciso uma vontade sobre-humana para escrever e eu sou apenas um homem. Às vezes parece que tenho necessidade de dormir seis meses seguidos. Ah! com que olho desesperado eu olho para eles, para os cimos destas montanhas que meu desejo gostaria de escalar! Você sabe quantas páginas eu vou completar dentro de oito dias desde que voltei daí? Vinte. Vinte páginas em um mês e trabalhando pelo menos sete horas por dia; e qual o fim de tudo isto? O resultado? Amarguras, humilhações eternas, nada em que se amparar a não ser a ferocidade de uma fantasia indomável. Mas envelheço, e a vida é curta. (FLAUBERT, 2005, p. 58-59).

 

Meu romance me dá tédio; eu me sinto estéril como uma pedra. (FLAUBERT, 2005, p. 65).

 

            O escritor francês sentia a gravidade do que fazia. Eu também, quando me sento para escrever, por mais que eu seja tomado por um misto de prazer e de desafio, também sinto a referida gravidade. Não raro os processos de escrita e de correção se parecem com o empurrar de uma montanha.

            Analogamente, para ensinar eu sinto a mesma gravidade. Por mais que os anos passem e, com eles, eu conquiste experiência e conteúdos, a ansiedade é uma hóspede presente, às vezes presente até demais. Quando meus alunos me perguntam como é que eu lido com o nervosismo do dia a dia docente, eu até afirmo que com o tempo a dinâmica escolar melhora, mas preciso também dizer, sem ilusões, que a ansiedade tem um lugar cativo em minha mente.

Gustave Flaubert (1821-1880)

E por que a ansiedade? E por que o sentimento de que eu arrasto montanhas? Porque eu não estou a lidar com algo sem valor, mas com pessoas. Para mim, cada aula não é trivial, eu preciso fazer valer os minutos que passo diante de pessoas que logo passarão por mim. Toda essa responsabilidade é que me faz compreender o que Flaubert sentia. Mas, apesar de todas as dificuldades, e isso traz em si consolo, hoje Flaubert é lido em todos os lugares.

 

FLAUBERT, Gustave. Cartas exemplares. Trad. de Carlos Eduardo Lima Machado. Rio de Janeiro: Imago, 2005.

Dr. Felipe Figueira

Felipe Figueira é doutor em Educação e pós-doutor em História. Professor de História e Pedagogia no Instituto Federal do Paraná (IFPR) Campus Paranavaí.


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