Um tema que volta e meia os alunos pedem para eu falar é sobre pessoas que não têm o título de doutorado, mas que mesmo assim chamadas de doutoras. É o caso, por exemplo, de médicos e advogados. Admito que esse é um assunto que não me agrada falar, pois considero infrutífero, ainda que necessário. Infrutífero, pois dificilmente tais profissões deixarão de ser consideradas de “doutores”, mas necessário, na medida em que questionar essa falsa titulação é também um questionar do poder.

        Para rebater o uso indevido do título de doutor não é preciso recuar duzentos anos, a alguma lei imperial ou mesmo egípcia, mas apenas se atentar para um fato, o diploma conferido à pessoa. Se o diploma estiver escrito bacharel, o título é de bacharel; se estiver mestre, é mestre; e se estiver doutor, é doutor. Simples assim.

        Porém, nada na sociedade é tão simples quanto aparenta ser. Um papel é mais do que um papel. Há grupos e conselhos poderosos, como os dos médicos e o dos advogados, que há anos (milênios) têm voz ativa na sociedade. Quem tem voz ativa geralmente é um “doutor” – mesmo que não seja realmente. É uma distinção de classes.

        O que é interessante é que muitos que possuem doutorado jamais são chamados de doutor, só o sendo por alguma cerimônia ou ocasião em especial. Lembro que eu, já sendo doutor em Educação, certa vez encontrei um ex-aluno que me disse: “O senhor está fazendo Direito? Agora será doutor também.” Eu o alertei para o fato de que eu já era doutor e que apenas receberia o grau de bacharel em Direito. Mas, esse tipo de situação, corriqueira e banal, está além de um episódio isolado, ele perpassa as mentalidades da população. É cultural.

        O que é possível fazer para mudar um quadro tão estranho quanto o trazido por esse texto? Questionar, porém, sem com isso travar uma batalha mortal, pois ela pode ser infrutífera, ainda que necessária.