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Deus - “Bíblia”


Por: Dr. Felipe Figueira
Data: 14/08/2025
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Eis um livro que faz jus à minha série de comentários. Eis um livro que é uma das bases da cultura ocidental e que também é uma das minhas bases. Já houve época em que o li para me parecer um erudito, outra para decorá-lo, outra para afirmar o meu ateísmo de outrora, outra para me reaproximar da fé e outra para simplesmente apreciar o seu estilo de escrita.

Trata-se de um livro que ocupa o meu criado-mudo há décadas e que constantemente o leio, grifando os trechos que mais gostei. Trata-se de uma obra que mexe com o Felipe historiador, com o Felipe escritor e com o Felipe crente. Mas, para além do Felipe crente e de ver a Bíblia como apenas um livro de fé, o que ela também é, eu gosto de dizer que ela é um livro para ser saboreado. Na Bíblia há metáforas, fábulas, poemas, histórias, combates, mortes, apelos à vida, enfim, há milhares de universos que são possíveis de extrair de suas palavras.

Há quem a divida em Velho e em Novo Testamento, e há quem, mesmo dividindo-a, a enxergue como uma unidade, como se o Velho fosse sombra para o Novo. Há quem leu esse livro para afirmar a vida e quem o leu para promover a barbárie, a morte. Ela é um livro que permite todo tipo de leitura? Não acredito nisso, contudo, o ser humano, a partir de seus interesses, é capaz de dobrar tudo aos seus gostos. A Bíblia fechada é um livro qualquer, aberta, como diz um ditado, é a boca de Deus. Agora, Deus fala, mas há ouvidos que não ouvem, olhos que não veem, ou que veem só o que lhes importa.

Jesus Cristo, um grande personagem bíblico, é um promotor da vida. quem pode dizer que de suas palavras saíram preconceitos, pensamentos que podem dar a alguém o direito de condenar quem quer que seja e mesmo de matar esse alguém? A menos que a minha leitura seja a pior possível, acredito que não é correta essa interpretação. No entanto, conforme disse antes, não é porque não me parece possível que, na prática, não ocorra. Eu leio a Bíblia para me aproximar do céu. Pode existir alguém que a leia para colocar o outro no inferno.

Tudo o que escrevi até hoje tem como influência a Bíblia. Ora de forma direta, ora indireta. Direta: seus temas e problemas. Indireta: posso me apropriar do estilo de escrita bíblico, como os seus vários “es”. A Bíblia assim se inicia: “No princípio Deus criou os céus e a terra./ E a terra era sem forma e vazia; e havia trevas sobre a face do abismo; e o Espírito de Deus se movia sobre a face das águas./ E disse Deus: Haja luz. E houve luz.” (Gên. 1: 1-3); e assim ela se encerra: “E, se alguém tirar quaisquer palavras do livro desta profecia, Deus tirará a sua parte da árvore da vida, e da cidade santa, que estão escritas neste livro./ Aquele que testifica estas coisas diz: Certamente cedo venho. Amém. Ora vem, Senhor Jesus./ A graça de nosso Senhor Jesus Cristo seja com todos vós. Amém.” (Apoc. 22: 19-21). Que início e fim mais poderosos. Um escritor, qualquer que seja, precisa aprender a começar o texto, um bom lide é importante para despertar a curiosidade do leitor. William Zinsser, em seu livro “Como escrever bem”, cita o início da Bíblia enquanto um exemplo de lide, dizendo que: “Às vezes, você pode contar toda a sua história em apenas uma frase.” (ZINSSER, 2017, p. 82).

Ao longo dos meus 36 anos, já li a Bíblia ou a ouvi em missas e cultos de uma ponta à outra. Porém, e isso me é curioso, ela é um dos livros que me sinto constantemente perdido ao ler. Leio o Gênesis e até compreendo a essência, mas esta me leva a pensamentos que outrora não tive; e em um mesmo livro bíblico sou capaz de dizer: parece que o estou lendo pela primeira vez. Que poder é esse que ela possui sobre mim? Não sou eu quem a possui, que pode dizer que a domina. Pobre do menor que ousar dominar o maior. Poderá ser posto no picadeiro e ser feito de palhaço. Amo palhaços, mas não o do tipo que estou a me referir, no caso, alguém arrogante.

É difícil destacar quais são os livros que mais gosto na Bíblia, mas ouso dizer que são: Gênesis, Êxodo, Ester, Jó, Salmos, Provérbios, Isaías, Mateus, Atos, Coríntios, Tiago e as cartas de João. Desses livros, os que mais li são Jó e Mateus. Tenho predileção por esses livros porque o primeiro conta a história de um grande homem que perseverou apesar de tudo, apesar da esposa e dos amigos que tão gravemente o acusaram. Na vida real, o ser humano é repleto de acusações e só com uma alta dose de fé não joga tudo para o alto, “Ainda reténs a tua sinceridade? Amaldiçoa a Deus, e morre.” (Jó 2:9), como dizia a esposa de Jó. Quanto ao Evangelho de Mateus, é por simplesmente contar a história de um grande homem, Jesus Cristo. Dó quando eu, cristão, sou surpreendido por mim mesmo em posturas pouco ou nada cristãs. Por que isso? Não é melhor amar do que odiar? Parece que sim, mas, muitas vezes, o contrário é mais fácil, cômodo, imediato. Machado de Assis, em seu conto “A igreja do Diabo”, bem tratou da trágica contradição humana. As pessoas, podendo fazer o bem, praticam o mal, e o contrário, comicamente, é verdadeiro. Apesar dos pesares, busco continuar a caminhada cristã, às vezes devagar, às vezes mancando, mas sempre para frente. Todo avanço é um avanço.

Há quem leia a Bíblia para dizer: “a minha religião é a certa”. Eu não estou preocupado em institucionalizar um livro tão fundamental a todos. Eu estou mais preocupado em lê-la pensando enquanto um bem maravilhoso da e para a humanidade. Eu realmente espero que a Bíblia continue em minha cabeceira e que ela possa estar, até o fim da minha vida, toda rabiscada, e que eu possa tomar os seus bons valores como nortes para a minha vida. Só isso – e tudo isso.

 

Bíblia Sagrada. Trad. de João Ferreira de Almeida. São Paulo: Geográfica, 2010.

William Zinsser. Como escrever bem: o clássico manual americano de escrita jornalística e de não ficção. Trad. de Bernardo Ajzenberg. São Paulo: Três Estrelas, 2017.

Dr. Felipe Figueira

Felipe Figueira é doutor em Educação e pós-doutor em História. Professor de História e Pedagogia no Instituto Federal do Paraná (IFPR) Campus Paranavaí.


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