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Uma resposta a um tema do ENEM


Por: Dr. Felipe Figueira
Data: 22/05/2020
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         O tema que discutirei nesse texto é o de 2019 do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), a saber, “A democratização do acesso ao cinema no Brasil”. Primeiramente quero dizer que é muito mais fácil assistir um filme hoje, em pleno século XXI, do que era em 1940 ou mesmo em 1990. Se por democracia se entende, muito superficialmente, como facilidade de acesso a determinado objeto, então, talvez exista mais democracia em 2020 do que em 1990, como é o caso do cinema. E por cinema estou a entender, por sua vez, filmes em geral, não necessariamente aqueles que são exibidos nas telonas.

         Todavia, o que se percebe é uma facilitação do acesso a determinados tipos de filmes, como comédias românticas e ação, porém, outros, como alguns dramas, sempre foram “privilégio” de poucas pessoas. Nunca foi fácil assistir um filme de Ingmar Bergman (cineasta sueco) nem na década de 90 e nem no século XXI, sendo que os motivos são vários, desde questões mais estéticas (efeitos e trilhas sonoras), passando por algo mais relacionado aos temas (suicídio, violência sexual e uma série de outros tabus sociais), até a distribuição da película. Assim sendo, a pretensa democracia do cinema seguiria praticamente “na mesma” de outrora para determinados filmes.

O cinema enquanto telona pouco a pouco diminui seu público, e isso se dá em grande parcela por causa do farto material digital facilmente acessível. Por outro lado, essa mesma abundância de materiais e de plataformas de acesso a filmes acaba por criar certas parcerias com alguns grupos de entretenimento e por incutir certos gostos no público que frequentemente se observa uma quantidade imensa de filmes cujos temas são repetitivos. Às vezes é preciso uma verdadeira arqueologia, escavar de verdade, para encontrar certas películas “fora do padrão”. No entanto, quantas pessoas fogem ou conseguem fugir do padrão?

Outro espaço que diminuiu o público, para não dizer que quase o extinguiu, é a outrora famosa e bem frequentada locadora de filmes. Paranavaí chegou a ter mais de 10 locadoras simultaneamente funcionando ao longo de 1990 e dos anos 2000, porém, atualmente, 2020, possui apenas a Myra Video, com previsão de encerramento das atividades em novembro próximo. O público de frequentadores dessa locadora atualmente é de duas a três pessoas por dia. Não obstante, nessa histórica locadora do noroeste do Paraná é possível emprestar vários filmes de Akira Kurosawa (cineasta japonês), Ingmar Bergman (sueco), Luis Buñuel (espanhol), Glauber Rocha (brasileiro), dentre vários outros expoentes do cinema. Pergunto: onde é possível encontrar filmes desse estilo e dessa estirpe para assistir? Até é possível encontrar em uma ou outra plataforma, entretanto, essas películas podem não ter sido devidamente “democratizadas”. Eu tenho a obra completo de Bergman em português, 42 filmes, porque em parte comprei do dono da Myra Video, José de Arimatéia Tavares (“Téia”), e em parte comprei pela internet. Logo se vê que não foi das tarefas mais simples e baratas.

É possível perceber, ainda que brevemente, o quão problemática é a dita democratização do cinema, seja no Brasil, seja no mundo como um todo, pois a própria ideia de democracia é em si complexa, vide a democracia no âmbito político. Desde os gregos esse não é um tema pacificado e provavelmente a democracia viva essencialmente de conflitos. Assim, tenho um conflito: o que se está a democratizar com a “democratização do acesso ao cinema”?

Dr. Felipe Figueira

Felipe Figueira é doutor em Educação e pós-doutor em História. Professor de História e Pedagogia no Instituto Federal do Paraná (IFPR) Campus Paranavaí.


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