Por uma ética profissional docente

Um assunto pouco explorado e que às vezes é visto como tabu é a questão de uma possível ética profissional docente. Não raro forças externas à escola fizeram de uma pretensa ética, ou código de ética, uma forma de controle da profissão professor. Ética enquanto controle não é ética. Por outro lado, uma possível ética profissional ao magistério é tão importante quanto a ética do advogado ou do médico. Os professores lidam com vidas, e isso não é trivial. Essas vidas, para o bem e para o mal, são cheias de afetos que podem, a depender das circunstâncias, colocar o professor em difíceis situações. Difíceis situações sempre existirão, porém, caso o professor e o aluno sigam certos princípios, conflitos podem ser minimizados e o professor ter mais respaldo. Todavia, também sei o tamanho da complexidade desse empreendimento, algo que Ronai Rocha pontua claramente:
Não temos um código de ética profissional que sirva como uma referência para professores e professoras em todos os níveis. O Psicólogo, por exemplo, submete-se a um detalhado código de ética profissional, e o mesmo acontece em outras profissões como Enfermagem, Medicina, Contabilidade, Administração. Não há nada semelhante a isso em nosso caso. Uma dificuldade para a elaboração de um código de ética docente é a grande diferença interna em nosso trabalho, que vai desde a educação infantil até a pós-graduação, abrangendo relações entre adultos e crianças, adultos e adolescentes, adultos e adultos. A proposta de uma ética profissional para todos esses níveis precisa ser muito geral (ROCHA, 2020, p. 125).
Em analogia ao texto “Relação Médico-Paciente”, de Celmo Celso Porto (et al., 2014, p. 21-37), é possível extrair alguns níveis gerais aplicáveis também à docência. Para tanto, o que Porto apresenta, baseando-se na Teoria Principialista proposta por Beauchamp e Chidress, são aspectos básicos: beneficência, não maleficência, justiça e respeito à autonomia.
Como os próprios nomes sugerem, beneficência significa fazer o bem; não maleficência significa não prejudicar, não fazer o mal; justiça quer dizer fazer o que é certo; e o respeito à autonomia preceitua que cada um pode decidir por si só o que fazer. No caso de Porto, as referências são todas a estudantes de medicina e a médicos, no meu caso, as referências são a estudantes de licenciaturas e a professores. Logo, o espaço de onde falo é a docência, não a clínica ou o hospital.
A beneficência é quando o professor dá tudo o que pode. Esse tudo envolve estudos, exigência de atenção em sala, tira dúvidas, sabe ouvir. Um professor beneficente é em regra bem visto pela comunidade escolar, pois é alguém que tem amor ao ensino e ao mundo.
A não maleficência pode ser ilustrada quando o professor não trata o aluno e o ensino com desdém, além de não se colocar em intensos embates e, pelas costas, falar mal dos alunos, seja com estudantes ou com colegas de profissão. Eu sei que tudo isso que está sendo apresentado é difícil e anteriormente eu já disse que o professor não é alguém que pode e deve suportar tudo, porém, certos cuidados a serem tomados são importantes, até porque o docente lida com pessoas e estas carregam em si uma alta carga explosiva, capaz de armar confusões inimagináveis. O princípio da não maleficência é antes uma proteção ao professor e, também, ao aluno.
O sigilo não é só importante para médicos, padres e advogados, mas também para o professor. Às vezes vem um aluno com uma pergunta aparentemente absurda, mas nem por isso e nem por nada o professor pode tirar sarro. Responda e pronto. Fique o momento – se puder ser resolvido pelo professor – apenas entre docente e discente.
A justiça significa “(...) fazer o que é justo ao paciente” (PORTO, et al., 2014, p. 21), no caso adaptado, ao aluno. Esse conceito é amplo, mas bem pode ser ilustrado como respeito. E dentre a ideia de respeito está um bom trato entre as partes, que o professor ensina com rigor os conteúdos, mas sem perder de vista que a igualdade é cheia de desigualdades. Com isso quero domar a escola e o professor, algo que Masschelein e Simons (2019) tanto criticaram? Pelo contrário, quero afirmar e reafirmar a importância da escola e do professor.
Já o respeito à autonomia, no caso do aluno, não tem tanto a ver com a forma com que ele aprenderá, porque muitas vezes ele não possui uma visão ampla do processo, mas isso não significa anulá-lo. A ideia é justamente crescer, crescer, crescer, e isso implica que o professor fala, mas também ouve críticas e sugestões. A escola tanto é o ambiente de trabalho do professor quanto é o do aluno. É difícil precisar a autonomia em exemplos práticos, mas ela, vista como princípio, serve como ferramenta de hermenêutica para casos concretos, para a vida como um todo.
Para que os princípios anteriores sejam bem desenvolvidos no dia a dia docente, a anamnese, assim como para o médico, também é importante para o professor. É pela anamnese que o professor se conhecerá e conhecerá de modo mais aprofundado quem é o aluno, o que é a escola, quem é o professor, e esse saber trará mais autoridade ao docente. A base da autoridade docente, dizia Hannah Arendt (2009), é o saber, e a ética bem pode ser (e é) um dos saberes fundamentais a serem estudados e praticados por todas as profissões.
ARENDT, Hannah. Entre o passado e o futuro. São Paulo: Perspectiva, 2009.
PORTO, Celmo Celeno (et al.). Relação Médico-Paciente. In: PORTO, Celmo Celeno. Semiologia médica. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2014.
ROCHA, Ronai. Escola Partida: ética e política em sala de aula. São Paulo: Contexto, 2020.

