“História do Paraná”, de Ruy Christovam Wachowicz
Toda terra que pisamos possui história. Para estar diante da história não é preciso estar em Roma ou em São Paulo, basta olhar para os lados, mesmo diante de uma cidade de 30, 40 anos de “existência”. Existência, obviamente, entre aspas, pois a oficialidade é posterior à humanidade.
É sob a perspectiva anterior que é possível chamar o livro “História do Paraná”, de Ruy Christovam Wachowicz, de um trabalho de genealogia e de arqueologia. O referido historiador olha para o Paraná além da história oficial e além da premissa que parte do Rio e de São Paulo como nortes do país, mas vê o Paraná a partir de sua própria força, e isso não é pouca coisa.
Enquanto paranaense e enquanto historiador, não foram poucas as vezes que fiquei com a seguinte dúvida: como se formou o estado que nasci? Como se formaram a região de Curitiba, de Londrina, de Maringá e de Paranavaí? Qual a relação deste estado com São Paulo, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Mato Grosso e com o restante do Brasil? Por sua vez, meus alunos também possuíam essas dúvidas, e eu, de algum modo, buscava saná-las. Ora, nada há de mais precioso do que conhecer o próprio solo que se pisa. Isso é tomar conhecimento de que somos árvores com raízes, e frutos cujas árvores conhecemos.
Assim, Wachowicz, didaticamente, considera o Paraná sob três frentes, a saber, “três Paranás”: 1º o Paraná Tradicional, composto por Paranaguá, Curitiba, Campos Gerais, indo até Cascavel; 2º Norte do Paraná, contemplando Jacarezinho, Londrina, Maringá e Paranavaí; e 3º “Sulista”, cuja região se estende entre Francisco Beltrão, Pato Branco, Toledo, Marechal Cândido Rondon, entre outras. Sob essa perspectiva é possível compreender o porquê times como Paraná, Coritiba e Athletico estão mais voltados à região curitibana; o porquê times paulistas são tão fortes no Norte do Paraná; e o porquê times do Rio Grande do Sul têm força na parte “sulista”. Nada se dá ao acaso, ou nada se dá totalmente ao acaso. A terra que pisamos possui história.
Wachowicz destaca em boa parte de seu livro as influências indígenas e europeias, além de presenças de paulistas, gaúchos, mineiros e nordestinos no Paraná. Quanto aos indígenas, é bastante lembrar a questão da erva-mate e de vários nomes de rios e cidades, como Curitiba, Paraná e Paranavaí; quanto aos europeus, também abundam referências, sendo que em Graciosa, distrito de Paranavaí, há uma forte influência alemã; e quanto às influências gaúchas, paulistas, mineiras e nordestinas, é possível citar o Centro de Tradições Gaúchas (CTG), a cultura do café (que tão forte foi no Paraná nas décadas de 50, 60 e 70) e o tanto de descendentes de mineiros e de nordestinos que se encontram no Paraná.
Logo se vê o tamanho da miscelânea que é esse estado, a ponto de, na década de 40, ingleses (que ajudaram a colonizar o Norte do Paraná), terem cogitado trazer cem mil curdos para cá. O intuito inglês não deu certo, porém, a história ficou:
O grupo de Lord Lovat[1] estava ligado aos capitais petrolíferos que atuavam no Iraque. Esses grupos entenderam-se em Londres e resolveram transferir parte dessas populações curdas do Iraque para o norte do Paraná. Para concretizar esse objetivo, resolveram utilizar-se dos serviços da Liga das Nações.
Como na época o Brasil estava endividado com os ingleses, não foi difícil a esses obter a permissão do governo brasileiro para receber os cem mil curdos no norte do Paraná. Essas negociações ocorreram em 1933, de forma sigilosa, mas no ano seguinte o assunto transpirou e foi parar nos jornais (WACHOWICZ, 2016, p. 314).
O livro “História do Paraná”, por ser uma arqueologia, por ir a fundo em assuntos marginais na história oficial (basta uma folheada em livros didáticos para ver o quão pouco há sobre o Paraná), merece ampla divulgação (o que, de certa forma, tem recebido). E divulgação não só entre os paranaenses, afinal, neste estado, verdadeira miscelânea, habita todo o Brasil – e o mundo.
WACHOWICZ, Ruy Christovam. História do Paraná. 10ª edição. Ponta Grossa: Editora UEPG, 2016.
Dr. Felipe Figueira
Felipe Figueira é doutor em Educação e pós-doutor em História. Professor de História e Pedagogia no Instituto Federal do Paraná (IFPR) Campus Paranavaí.