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Tom Jobim, Goethe e Hipócrates


Por: Dr. Felipe Figueira
Data: 06/06/2024
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Uma das músicas brasileiras que mais gosto é “Querida”, de Antonio Carlos Jobim (1927-1994), que em seus versos diz: “Longa é a tarde, longa é a vida / De tristes flores, longa ferida / Longa é a dor do pecador, querida (...) / O dia passa e eu nessa lida/ Longa é a arte, tão breve a vida/ Louco é o desejo do amador, querida, querida (...)”. Para quem gosta de trabalhos artísticos, como pinturas, música ou poesia, sabe que a arte não tem fim, mas que a vida, sim, e isso é motivo de angústia para o ser humano.

Há certos temas que pesquiso exaustivamente, mas outros não, que são mais distração do que algo para eu me dedicar cientificamente. Com a música é assim. Porém, um dia eu estava lendo “Os anos de aprendizado de Wilhelm Meister”, de Goethe (1749-1832), e eis que encontro, no Livro VII, a “Carta de Aprendizado” de Wilhelm, que tem os seguintes termos iniciais: “Longa é a arte, breve a vida, difícil o juízo, fugaz a ocasião. Agir é fácil, difícil é pensar; incômodo é agir de acordo com o pensamento. Todo começo é claro, os umbrais são o lugar da esperança. O jovem se assombra, a impressão o determina, ele aprende brincando, o sério o surpreende.” (GOETHE, 2009, p. 472). Que susto que eu tomei.

Entre ouvir o clássico da Bossa Nova e o clássico alemão houve um intervalo de cerca de 20 anos, mas, quando cruzei com as palavras de Goethe me questionei: “Por que nunca pesquisei a letra de Tom Jobim?” A resposta foi direta: porque não.

Meses depois de concluir a referida leitura, me coloquei a ler com rigor a “Didática Magna”, de Comenius (1592-1670), e recebi um outro choque: aquele que é considerado o pai da didática moderna citou Hipócrates (460-377 a.C.), em especial quando este sentencia: “A vida é breve, a arte é longa, as ocasiões se desvanecem rapidamente, os experimentos são incertos e é difícil o juízo das coisas.” (HIPÓCRATES apud COMENIUS, 2011, p. 132). Minha reação foi imediata: “Será que essa frase vem desde que o mundo existe? Preciso adquirir o livro de Hipócrates.”

Ao ler a obra “Aforismos”, de Hipócrates, logo no primeiro aforismo da Seção Primeira encontro: “A vida é curta, a arte é longa, a ocasião fugidia, a experiência enganosa, o julgamento difícil. O médico deve fazer não apenas o que é conveniente para o doente, mas também com que o próprio doente, os assistentes e as circunstâncias exteriores concorram para isso.” (HIPÓCRATES, 2010, p. 29). Não sei se encontrarei algo ainda anterior à Hipócrates, pois deixarei o acaso me guiar quanto a essa poderosa frase. Contudo, me valendo de Mario Quintana (1906-1994) afirmo: “O passado não reconhece o seu lugar, está sempre presente” (2006, p. 174).

 

Comenius. Didática Magna. Trad. de Ivone Castilho Benedetti. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2011.

Hipócrates. Aforismos. Trad. de Joffre Marcondes de Rezende. São Paulo: Unifesp, 2010.

Johann Wolfgang von Goethe. Os anos de aprendizado de Wilhelm Meister. Trad. de Nicolino Simone Neto. São Paulo: Editora 34, 2009.

Mario Quintana. Caderno H. 2. ed. São Paulo: Globo, 2006.

Dr. Felipe Figueira

Felipe Figueira é doutor em Educação e pós-doutor em História. Professor de História e Pedagogia no Instituto Federal do Paraná (IFPR) Campus Paranavaí.


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