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Incircuncisos como juízes do mundo


Por: Fernando Razente
Data: 23/12/2024
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Romanos 2.27 (ARA): “E, se aquele que é incircunciso por natureza cumpre a lei, certamente, ele te julgará a ti, que, não obstante a letra e a circuncisão, és transgressor da lei.”

 No último texto meditamos sobre a relação entre piedade externa e observância da lei de Deus, a partir da exposição do versículo 26, de Romanos 2. Vimos Paulo argumentar com seu interlocutor judeu, que, mesmo o visivelmente incircunciso pode ser considerado como genuinamente circuncidado se ele, na prática, observa a lei de Deus, à exemplo de Cornélio e tantos outros gentios.[1] Hoje, vejamos Paulo abordar a consequência dessa realidade para o judeu, que se gloriava na posse da lei e da circuncisão física.

Paulo inicia o v. 27 dizendo: “(...) se aquele que é incircunciso por natureza”, isto é, se o gentio, alheio, desde criança, ao sinal visível da aliança com Deus no período da nação de Israel que era a circuncisão, “cumpre a lei”, ou seja, obedece na prática os requisitos da lei moral de Deus – como crer em Cristo como o Salvador e se arrepender de seus pecados – “certamente, ele te julgará (κρινε?/krinei = condenar) a ti”.

Paulo diz que o gentio crente julgará o judeu descrente, “(...) não obstante” ou ainda que o judeu possua “(...) a letra”, isto é, a lesgislação, as alianças, as promessas, etc., (Cf. Rm 9.1-5),  “(...) e a circuncisão”, o sinal visível do pacto de Israel com Deus, mas que, ainda assim, “(...) és transgressor da lei.” Ora, de que julgamento e condenação Paulo está falando? Como o incircunciso condenará o judeu circunciso transgressor da lei? 

O pastor e comentarista bíblico João Calvino, por exemplo, faz menção à passagem de Mateus 12.41-42 para esclarecer a declaração paulina.[2] Lemos no evangelho de Mateus que “41 Ninivitas se levantarão, no Juízo, com esta geração e a condenarão (κατακρινο?σιν/katakrinousin = proferir uma sentença, julgar contra); porque se arrependeram com a pregação de Jonas. E eis aqui está quem é maior do que Jonas. 42 A rainha do Sul se levantará, no Juízo, com esta geração e a condenará; porque veio dos confins da terra para ouvir a sabedoria de Salomão. E eis aqui está quem é maior do que Salomão.”

São palavras de Jesus proferidas contra escribas e fariseus judeus (Cf. Mt 12.38). Jesus está dizendo que gentios incircuncisos, como ninivitas mesopotâmicos e a rainha etíope de Sabá, se levantarão no dia do Juízo final, mas não para serem condenados, mas para julgarem, proferirem sentenças e condenarem aquela geração de judeus circuncisos, mas que não creram no Messias e nem se arrependeram de seus pecados. Trata-se do mesmo caso que Paulo aborda em Romanos 2.27: gentios incircuncisos, que creram de coração na Palavra de Deus, e que julgarão e condenarão judeus circuncisos, mas transgressores da lei.

Isso significa que, no Juízo final, conforme diz o teólogo F. F. Bruce, “(...) as faltas de um judeu indigno serão realçadas pelo exemplo de um gentio que, não tendo nenhum dos privilégios característicos dos judeus, não obstante agrada a Deus.”[3] No Juízo Final, os gentios santificados pela fé em Cristo, aceitos na família de Deus, julgarão o mundo (Cf. 1 Cor 6. 1-3), incluindo judeus circuncisos, mas infiéis à aliança com o Senhor.

Contrariando completamente a expectativa dos judeus de que “(...) seriam salvos e condenariam as nações”, Paulo quer demonstrar que exatamente “(...) aquelas nações que creram em Jesus Cristo seriam juízes de Israel, isto é, todos eles seriam julgados pelos gentios que creram em Jesus. Paulo dizia que Deus os julgaria, apesar da circuncisão a que se submeteram.”[4]

Aprendemos com o versículo de hoje que sinais e símbolos, como a circuncisão – mais propriamente o batismo e a ceia do Senhor para os cristãos – ou a mera posse ou conhecimento da lei e vontade do Senhor não serão suficientes para a nossa salvação. É necessário fé em Cristo, arrependimento contínuo e uma vida sincera de santidade no temor do Senhor, obedecendo Sua Palavra e experienciando adequadamente os sacramentos.

Mesmo aqueles que nunca tiveram a chance ou oportunidade de serem batizados ou desfrutarem da mesa do Senhor (como o ladrão arrependido na cruz), se se arrependeram sinceramente e creram em Jesus Cristo como Senhor, serão os juízes deste mundo, especialmente dos transgressores impenitentes que se gloriam em externalidades religiosas e confiam em ritos religiosos para a salvação, sem um coração consagrado e obediente.

Amém.

·         Fernando Razente é professor de Filosofia e Ciência da Religião no Centro Universitário São Camilo (SP) e das disciplinas de História, Filosofia, Sociologia e Cultura Religiosa no Colégio Coração de Jesus. É diácono ordenado da Igreja Presbiteriana do Brasil em Nova Esperança e coordenador de conteúdo da Associação Brasileira de Cristãos na Ciência, núcleo Maringá.



[1] Conforme escreve o comentarista William Hendriksen, “(...) um homem incircunciso, que, em certo sentido, guarda a lei de Deus, é, aos olhos de Deus, igual a um homem circuncidado”. In HENDRIKSEN, William. Comentários do Novo Testamento - Romanos. São Paulo, SP: Editora Cultura Cristã, 2011. p. 138.

[2] CALVINO, João. Romanos. São José dos Campos, SP: Editora Fiel, 2014, p. 117.

[3] BRUCE, F. F. Romanos. São Paulo, SP: Edições Vida Nova, 2011. p. 78

[4] NICODEMUS, Augustus. O Poder de Deus para a salvação: a mensagem de Romanos 1-7 para a igreja de hoje. São Paulo: Vida Nova, 2019, p. 227-228.

Fernando Razente

Amante de História, atuante com comunicação e mídia, leitor voraz e escritor de artigos de opinião e matérias jornalísticas.


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