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A humanidade do Filho


Por: Fernando Razente
Data: 04/07/2022
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Romanos 1.3b: “[...] o qual, segundo a carne” 

Na semana passada, vimos qual (ou melhor, quem) é o centro do evangelho: o Filho de Deus! (Rm 1.3a). O Deus Filho é o centro da genuína mensagem evangélica. Ele é o núcleo das boas-novas do Deus Pai aos pecadores perdidos. Hoje, veremos como Paulo descreve as características, isto é, a natureza d’Aquele que é o centro do evangelho.

Primeiro, Paulo apresenta o Filho como sendo perfeitamente humano. É isso o que o apóstolo quis dizer ao mencionar o Filho “[...] segundo a carne”. Nestes termos, Paulo quer simplesmente nos ensinar que o Filho bendito prometido pelo Deus Pai viveu como um homem comum, sob as condições humanas comuns, tornando-se um de nós, assumindo ossos, sangue e massa muscular (NICODEMUS, 2019. p. 31.).

O Filho de Deus, embora existindo desde a eternidade, adentrou no tempo e no espaço, fazendo parte da nossa história. Ele nasceu da virgem Maria e teve um pai piedoso chamado José; foi um frágil bebê, cresceu como uma criança judia, tornou-se num jovem maduro, chegou a idade adulta e morreu crucificado pelos romanos com cerca de 33 anos de idade acusado de conspiração religiosa.

Por isso, devemos sempre nos lembrar que embora sendo Deus, o Filho foi uma figura humana, histórica, real. Ele é descrito em termos muito humanos na Escritura, como tendo uma mãe, irmãos e até uma profissão: “Não é este o carpinteiro, filho de Maria, irmão de Tiago, José, Judas e Simão? E não vivem aqui entre nós suas irmãs?...” (Mc 6.3). Apesar destes testemunhos bíblicos a respeito da humanidade do Filho, surgiram algumas objeções na Era Primitiva do Cristianismo a respeito disso.

Em primeiro lugar, nos primórdios da igreja cristã surgiu uma heresia chamada gnosticismo, que entre outras coisas afirmava que a natureza física dos seres humanos é essencialmente ruim e que o sumo bem é a parte imaterial, o espírito. Neste sentido, se Cristo encarnou, Ele tornou-se não só humano, mas também pecador. Infelizmente, ainda hoje algumas pessoas acreditam que na sua vida Jesus pecou. Acreditam que Ele, em alguns momentos, cometeu excessos como todo ser humano comete.

Contudo, esse não é o ensino das Escrituras Sagradas sobre a natureza humana do Filho, nem nesse trecho em apreciação e nem nas demais passagens que falam especificamente sobre a natureza humana de Jesus. A palavra usada para carne em Romanos 1.3a é “sarx” (σαρξ) e pode denotar tanto a condição biológica (tecido do corpo), a natureza frágil do ser humano (limitações ontológicas) ou ainda o pecado (carnalidade).

Porém, todas as vezes que essa palavra “carne” é usada em referência ao Filho bendito de Deus, é usada unicamente no sentido biológico e natural, em referência “[...] à natureza humana ou descendência física” do Filho (STOTT, 2007. p. 51). O testemunho infalível do Espírito Santo nas Escrituras é que o Filho foi “[...] tentado em todas as coisas, à nossa semelhança, mas sem pecado” (Hb 4.15) e que Ele “[...] não conheceu pecado” (2 Co 5.21).

Em segundo lugar, surgiu nos primórdios da fé cristã outra heresia chamada docetismo, antecedente do gnosticismo, e seus adeptos acreditavam que o corpo de Jesus Cristo era uma ilusão, e que sua crucificação teria sido apenas aparente — Cristo foi meramente um espírito incorpóreo, porém visível.

Todavia, precisamos lembrar que a promessa da salvação em Cristo incluía a sua vida e morte física (Isaías 53). Afinal, se Jesus somente parecesse ser um homem, ele não teria nem carne ou sangue, justamente aquilo por meio do qual Ele redimiu a humanidade. Foi contra este ensino gnóstico que o bispo grego Irineu de Lyon (130-202 d.C.) desenvolveu um argumento detalhado defendendo o corpo de Cristo no seu livro “Sobre a detecção e refutação da chamada Gnose”, também conhecido como “Contra Heresias” (Adversus haereses, ca. 180 d.C.).

No texto, Irineu argumenta que: “É pelo seu próprio sangue que o Senhor nos resgatou, se deu a sua alma pela nossa alma e sua carne pela nossa carne, se efundiu o Espírito do Pai para operar a união e a comunhão de Deus e dos homens, fazendo descer Deus até os homens pelo Espírito e elevando os homens até Deus pela sua encarnação, se nos concedeu, na sua vinda, com toda certeza e verdade, a incorruptibilidade pela comunhão, o que temos com ele perdem todo o seu valor os argumentos dos hereges.” (AH 5.1.1).

Em outras palavras, esse representante da igreja cristã defendia que a promessa e o cumprimento da redenção dos eleitos de Deus Pai passava diretamente pela (e dependia da) encarnação histórica e física do Deus Filho, Jesus Cristo, vivendo sob condições humanas comuns a perfeita lei de Deus e morrendo derramando sangue real pelos pecados naquela cruz romana.

O Espírito de Deus, na própria Escritura Sagrada, nos ensina que o Filho é sim “Aquele que foi manifestado na carne” (1 Tim 3.16). O Filho é aquele que nos “[...] reconciliou no corpo da sua carne” (Col 1.22) e que “[...] aboliu, na sua carne, a lei dos mandamentos na forma de ordenanças” (Ef 2.15). E ainda mais: o Filho é “[...] segundo a carne [...] sobre todos, Deus bendito para todo o sempre” (Rm 9.5)!

Por isso, a correta e ortodoxa confissão dos cristãos é “[...] que Jesus Cristo veio em carne” (1 João 4.2), mas que jamais esqueçamos de unir essa qualidade biofisiológica de Jesus com sua natureza moral única, divina e puríssima, na qual “[...] não existe pecado.” (1 João 3.5). Somente esse Jesus, descrito nestes termos de humanidade perfeita, é o verdadeiro Jesus, Filho de Deus, digno de toda a nossa adoração e serviço.

Qualquer outro “Jesus” que se distancie dessas qualidades bíblicas é um falso Cristo; e, contra esse falso Cristo, devemos estar atentos, a fim de não adorarmos um falso salvador. Como nos alertou o pastor Francis Schaeffer (1912-1984): “Cada vez mais, nesses últimos anos, o termo ‘Jesus’, despojado do conteúdo bíblico, tem-se tornado o inimigo do Jesus da história, o Jesus que morreu e ressuscitou e virá pela segunda vez, o eterno Filho de Deus.” (SCHAEFFER, 2014, p. 87).

E como prescreveu o pai apostólico Inácio de Antioquia (68-100 d.C.): “Torna-te surdo quando te falam de um Jesus Cristo fora daquele que foi da família de Davi, filho de Maria, nasceu autênticamente, comeu e bebeu, padeceu verdadeiramente sob o poder de Pôncio Pilatos, foi crucificado e morreu verdadeiramente.”

 

“O verbo virou gente e habitou entre nós

Cheio de graça e de verdade

E vimos sua Glória como a do Pai

E vimos sua Glória, glória do Pai”

(O Verbo virou gente — Guilherme Kerr & Nelson Bomilcar [álbum Vento livre, de 1985])

 

Fernando Razente

Amante de História, atuante com comunicação e mídia, leitor voraz e escritor de artigos de opinião e matérias jornalísticas.


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