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O que é o “campo” em Mateus 13.24-30?


Por: Fernando Razente
Data: 22/02/2022
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“Outra parábola lhes propôs, dizendo: O reino dos céus é semelhante a um homem que semeou boa semente no seu campo…” (Mateus 13.24)

Textos fora de seus contextos podem servir de pretextos para o surgimento de novas heresias. Assim tem sido ao longo da história da interpretação bíblica. Porém, é preciso lembrar que embora seja um problema muito antigo para a igreja cristã, as heresias variam de forma e conteúdo de acordo com a sociologia de uma época. 

Em nossa época, um dos principais problemas é o dever da disciplina eclesiástica. No que consiste? Consiste em confrontar em amor e em verdade (Gl 6.1) irmãos que caíram em pecado ou que estão obstinados na iniquidade (cf. Mt 16.19; Mt 18.15-20; Ef 5.11; 1 Cor 5 1-13; 2 Cor 2.5-8; 2 Cor 6.15; 2 Ts 3.6, 14, 15; 1 Tim 5.20; Jd 23). A bíblia está saturada de orientações a esse respeito. 

Mas qual o objetivo da disciplina? A disciplina ou “censuras eclesiásticas” são necessárias “[...] para chamar e ganhar a Cristo os irmãos ofensores, para impedir que outros pratiquem ofensas semelhantes, para purgar o velho fermento que poderia corromper a massa inteira, para vindicar a honra de Cristo e a santa profissão do evangelho…” (CFW, XXX, III). 

O espírito de nossa época é marcado pelo politicamente correto, onde a verdade a ser dita a um pecador deve ser, muitas vezes, moldada e formatada de acordo com as sensibilidades, afeições e subjetividades do pecador que ouve. Portanto, disciplinar alguém na igreja de modo franco, honesto e amoroso é um dos maiores desafios do século XXI para muitos pastores, pois muitos são considerados insensíveis e soberbos nesse dever. 

É claro que a disciplina eclesiástica deve ser feita seguindo estritamente as orientações bíblicas e com muito temor e tremor, sem ultrapassar em nada permitido nas Escrituras. Existem, de fato, muitas extrapolações e legalismos misturados com a genuína e legítima disciplina; mas, por outro lado, jamais a disciplina eclesiástica deve ser negligenciada por conta das pressões do corrente mundo. A igreja de Cristo deve se manter pura, se necessário até mesmo expulsando alguns membros que demonstram serem incorrigíveis (1 Cor 5.13)!

Contudo, alguns pastores cedem às pressões do mundo e fogem dessa importante responsabilidade (pelos mais variados motivos) e, para justificar a desobediência explícita à Palavra de Deus, criam artifícios hermenêuticos a fim de evitar o chamado ao dever da disciplina de seus membros. Um texto frequentemente utilizado por esses líderes para evitar a disciplina eclesiástica é o de Mateus 13.24-30, onde Jesus conta a famosa Parábola do Joio. 

Segundo alguns pastores, nesta parábola Jesus estava ensinando que na igreja existem as boas sementes de trigo e o joio, e que ao invés de fazer a separação apressada entre uns e outros com disciplina eclesiástica, o Salvador quer de nós paciência; Jesus quer que deixemos crescer ambos (joio e trigo), juntos até a ceifa final (v.30). 

Sendo assim, ímpios e salvos devem continuar a congregar juntos, unidos em uma mesma igreja, em uma mesma família da fé. Para eles, segundo essa parábola não devemos tirar o iníquo do meio da congregação, mas esperar o dia em que Cristo, o único juiz, ordenará a colheita do trigo e a queima do joio. Mas é isso o que o texto de Mateus está ensinando? Estaria a bíblia em contradição ao ordenar a disciplina em algumas passagens e nessa proibir? Penso que não. Veja, se apenas continuarmos a leitura bíblica de Mateus 13 poderemos entender o que Jesus está dizendo. 

Depois que Jesus contou essa (e outras parábolas), ele despediu a multidão que o ouvia e foi para sua casa. Porém, seus discípulos foram até ele interrogá-lo a respeito do sentido da parábola do joio no campo (v.36). E Jesus respondeu: “O que semeia a boa semente é o Filho do Homem; o campo é o mundo; a boa semente são os filhos do reino; o joio são os filhos do maligno; o inimigo que o semeou é o diabo; a ceifa é a consumação do século, e os ceifeiros são os anjos. Pois, assim como o joio é colhido e lançado ao fogo, assim será na consumação do século” (Mateus 13.37-40).

Note comigo, em primeiro lugar, que o texto não se refere à disciplina eclesiástica, mas ao juízo final: “a ceifa é a consumação do século”. A parábola tem uma característica apocalíptica e se trata de uma descrição alegórica do fim do mundo. Portanto, não é possível traçar um paralelo entre a censura eclesiástica e o ensino dessa parábola. São coisas completamente distintas.  

Em segundo lugar, mesmo que forcemos o texto nessa direção, teremos grandes problemas de interpretação e gramática grega. O “campo” onde coexistem joio e trigo —  os “filhos do maligno” e os “filhos do reino” (v. 38b) — não pode ser um equivalente da igreja, pois o próprio Jesus diz que o campo “é o mundo” (v.38a). 

O texto é tão claro que não exige de nós que procuremos uma interpretação inter-textual ou histórico-cultural para compreender o sentido da passagem, porque o próprio Cristo já nos dá o sentido claro e literal. Por fim, o termo grego usado por Mateus para mundo é kosmos (κ?σμος) que significa, literalmente, a totalidade universal de tudo o que foi criado por Deus, em toda sua extensão territorial. 

O campo da parábola não se trata de uma igreja, nem de maneira local nem de maneira universal, mas de todo o mundo habitado pelos seres humanos. Sendo assim, a conclusão é que em nenhum momento ou lugar dessa parábola temos o ensino de que a igreja, especialmente seus líderes, devem deixar os pecadores impenitentes confortáveis e à vontade com a membresia genuina até o juízo final. Na verdade, negligenciando esse sério dever, a igreja corre o sério risco de criar raízes de amargura, da qual muitos se contaminem e se perturbam com profanação (Hb 12.15-17), destruindo a comunhão dos santos.

* Querido leitor (a), esta foi a primeira edição do Expondo as Escrituras, uma coluna que responde (ou não!) perguntas teológicas com base nos princípios hermenêuticos das Escrituras. Envie sua pergunta para o e-mail: fernandorazente997@gmail.com

Fernando Razente

Amante de História, atuante com comunicação e mídia, leitor voraz e escritor de artigos de opinião e matérias jornalísticas.


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