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O julgamento do hipócrita


Por: Fernando Razente
Data: 19/02/2024
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Romanos 2.3 (ARA): “Tu, ó homem, que condenas os que praticam tais coisas e fazes as mesmas, pensas que te livrarás do juízo de Deus?”

Na exposição da semana passada, procurei apresentar ao leitor o argumento de Paulo sobre o juízo verdadeiro de Deus contra os hipócritas moralistas (Rm 2.2). Paulo havia lembrado o seu interlocutor moralista que, embora ele pudesse ser aplaudido pelo mundo e, embora possa se considerar inocente perante os homens, uma provação muito diferente o aguarda no céu, uma provação que é “segundo a verdade”, isto é, um juízo divino, fiel aos fatos, contra a prática da hipocrisia.

Agora, no versículo 3, vemos Paulo como que se estendendo ainda mais sobre o mesmo assunto do juízo verdadeiro e onisciente de Deus, apelando para o próprio julgamento da consciência humana, ou seja, para aquilo que é de mais básico e fundamental do ser humano: a racionalidade. Afinal, o juízo é um exercício ou faculdade da racionalidade humana e, já que o crítico moralista faz grande uso de sua capacidade de ajuizar, Paulo presume que pela razão ele deve prezar.

Por isso,  Paulo diz: “Tu, ó homem, que condenas os que praticam tais coisas e fazes as mesmas, pensas (verbo λογ?ζ?/logiz?: raciocinar, calcular) que te livrarás do juízo de Deus?” O comentarista puritano Matthew Henry (1662-1714) elabora a seguinte paráfrase: “Você pensa assim, ó homem? Ó homem, uma criatura racional, uma criatura dependente, feita por Deus, sujeita a ele e responsável perante ele.”

Portanto, Paulo quer que o crítico moralista utilize para si mesmo a mesma ferramenta que ele tanto preza em usar nos outros: a razão analítica. Será que você, moralista, que está usando da razão para ajuizar sobre os outros, que pela razão julga que os gentios serão julgados, não usará agora a mesma razão para avaliar sua própria situação? Não usará de juízo contra sua prática hipócrita de praticar aquilo que condena nos outros? E se usar, como pensará que poderá escapar daquele que é o Sumo Juiz de todos?

E tal questionamento, que repreende essa santidade fictícia do moralista, como declara João Calvino (1509-1564), “(...) não foi sem necessidade urgente (...) pois os homens desta classe confiarão em si mesmos com surpreendente segurança, a menos que sua vã confiança seja forçosamente abalada.” E Paulo, como vemos, a abala apelando com o moralista para a base e o fundamento de sua casca de santidade.

Todavia Paulo, como vemos, não só apela para a própria consciência do crítico moralista, mas o leva mais uma vez para a fonte e origem da racionalidade e da capacidade de julgar no ser humano: Deus. Ele diz: “(...) pensas que te livrarás do juízo de Deus?” Pois, embora o juízo humano seja uma pálida imitação, ainda assim é uma das marcas da Imago Dei. Julgamos porque fomos feitos por um Juiz.

Embora a integridade do julgamento tenha sido comprometida pelo pecado, ainda assim, o crítico moralista julga muitas vezes com base na revelação verbal feita escrita de Deus; mas, se ele julga com base naquilo que é de Deus, como ele pode querer raciocinar que do juízo celestial do qual ele toma por base poderá escapar?

Esta forma de apelação, diz Calvino, “(...) é a melhor forma de lidar com a hipocrisia, a fim de despertá-la da sua embriaguez, isto é, atraí-la para a luz do julgamento de Deus.” É com o tribunal justo de Deus que Paulo encerra novamente (Cf. Rm 2.2).Afinal, é bem verdade que nossos pecados neste mundo estão todos sujeitos ao julgamento e punição de homens finitos e falíveis; mas se isso é verdade para com homens, muito mais verdadeiro é para com Deus, pois os mesmos pecados estão sujeitos ao juízo do Senhor, que, como Calvino expressa “(...) é o único e verdadeiro Juiz de todos.”

Logo, o crítico moralista está absolutamente acuado. Veja: ele julga, mas não vive conforme julga. Mas quando julga, o faz com base no juízo revelado de Deus, que por sua vez, julga os julgadores hipócritas – dentre os quais ele é um – com a promessa de fogo eterno (Mt 23.15)

Agora, quem pode salvar o hipócrita de sua santidade fictícia? Quem é capaz de abrir os olhos do moralista para a sua própria devassidão e necessidade de graça? Quem pode fazer que o moralista seja humilhado, quebrantado, transformado e que no tribunal de Deus seja considerado aceitável?

Não há outro senão Cristo; Ele é “(...) quem foi constituído por Deus Juiz de vivos e de mortos” (Atos 10.42), pois por sua vida perfeita e morte sacrificial trouxe-nos redenção; Ele é quem viveu em plena santidade, sendo o maior exemplo em si mesmo daquilo que pregava, julgando retamente e jamais exigindo dos outros aquilo que Ele mesmo já não houvesse exibido em si uma notável demonstração de perfeição; Ele é quem também submeteu-se à morte de cruz, levando sobre Si no madeiro todos os pecados de hipocrisia, mentira e orgulho daqueles que n’Ele crêem e se arrependem; Ele é quem, suportando até a consumação de tudo o justo juízo de Deus, seu Pai, foi capaz de conceder a graça do perdão, justificação e adoção ao moralista. Portanto, Cristo é a única solução para o crítico moralista hipócrita.

Caro leitor, ore a Deus agora comigo:

“Deus onipotente e Pai celestial,

Confessamos agora a Ti – que a tudo julgas retamente – que muitas vezes nutrimos uma vã e carnal esperança de sermos poupados pelo seu Santo e infalível Juízo, mesmo fazendo as coisas que condenamos. Zombamos de Ti e procedemos assim sacrilegamente. Leva-nos, pelo Teu Espírito Santo, ao arrependimento de tal prática e perdoa-nos desta prática de juízo hipócrita, bem como da ofensiva expectativa vaidosa e arrogante de nosso coração. Que nossa esperança de perdão e salvação não seja nenhum artifício da nossa razão corrompida, senão a fé em Jesus, o teu Cristo, nosso Salvador. Nele colocamos toda a nossa expectativa e raciocinando segundo suas promessas esperamos que, ao sermos julgados por Ti – seja após a morte ou no retorno de Seu Filho – sejamos aceitáveis e considerados como teus filhos. Em nome de Jesus. Amém.” 

 

Fernando Razente é professor de Ciências Sociais, lecionando História das Religiões do Ocidente e História das Interações entre Religião e Ciência no curso de Filosofia e Ciência da Religião do Centro Universitário São Camilo (SP), e as disciplinas de História, Filosofia, Sociologia e Cultura Religiosa no Colégio Sagrado Coração de Jesus e Colégio Platão. É resenhista, divulgador científico, coordenador de conteúdo da Associação Brasileira de Cristãos na Ciência (núcleo Maringá) e colunista colaborador.

Fernando Razente

Amante de História, atuante com comunicação e mídia, leitor voraz e escritor de artigos de opinião e matérias jornalísticas.


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