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Preconceitos?


Por: Dr. Felipe Figueira
Data: 18/08/2020
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O ser humano é feito de pequenos fragmentos que juntos formam uma unidade. É essa unidade que nos torna únicos diante da coletividade. Tal visão é uma perspectiva clássica sobre o sujeito, cujo todo é resultado das partes. Todavia, em uma visão mais contemporânea e perspectivista, a unidade do sujeito pode ser questionada, sendo que o todo, por consequência, pode não corresponder a uma unidade. O poeta Mário de Sá-Carneiro (1996, p. 73) dizia:

Eu não sou eu nem sou o outro, 

Sou qualquer coisa de intermédio: 

Pilar da ponte de tédio 

Que vai de mim para o Outro

Por mais truncado que seja o primeiro parágrafo ele servirá para pensarmos questões de ordem prática no campo pedagógico.

Dia desses eu estava em uma clínica de fisioterapia e vi que uma das fisioterapeutas era uma ex-aluna. De imediato pensei: “ela deu muito trabalho no ensino médio”. Por trabalho traduza-se indisciplina.

Mais algumas questões começaram a pairar: “que tipo de profissional ela se tornou? Como ela foi enquanto universitária? Será que ela mudou tanto em poucos anos?”. O pano de fundo de tais questões remete ao que foi dito no primeiro parágrafo. A pessoa, que é feita passo a passo, pode ter um “resultado final” (no caso, ter se tornado uma profissional) tão diferente daquela que há certo tempo eu havia convivido? Eu estaria, diante dessas questões, envolto em preconceitos? O que é possível dizer é que um professor pode ter certas resistências quando se depara com ex-alunos que foram complicados. Há uma piada trágica nesse sentido:

Um grupo de professores entrou em um avião e de repente ouviu no alto falante que a aeronave foi feita pelos seus ex-alunos. A maioria dos professores saiu correndo diante de tal notícia. Apenas um professor ficou sentado, sossegado. Quando questionaram o porquê o professor não havia se incomodado quando os demais colegas saíram em disparada, ele disse: “sabendo que meus alunos fizeram o avião, ele não vai sequer sair do chão”.

É difícil caminhar no sentido de tal piada, porque ela, ao cabo, acaba por invalidar a própria docência, a transformação e a esperança. Se a docência em nada acrescentar, para quê serve? Se as pessoas não puderem mudar com o tempo, a vida se estagna. E sem esperança a vida fica sem sabor.

É a partir da transformação e da esperança que vi vários alunos que eram problemáticos no ensino médio aos poucos mudarem a ponto de serem excelentes universitários e, depois, profissionais. E isso não é um caso isolado, mas são vários alunos que conheço com esse perfil. Imagino que a própria fisioterapeuta, ex-aluna, deve ser um desses casos. Às vezes o todo que imaginamos como uma unidade linear pode receber rupturas. E há muita positividade nas rupturas.

 

SÁ-CARNEIRO, Mário de. Poemas completos. Edição de Fernando Cabral Martins. Lisboa: Assírio & Alvim, 1996.

 

Dr. Felipe Figueira

Felipe Figueira é doutor em Educação e pós-doutor em História. Professor de História e Pedagogia no Instituto Federal do Paraná (IFPR) Campus Paranavaí.


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