Coluna Travessias: “Conversas com um jovem professor”, de Leandro Karnal
“Conversas com um jovem professor”, de Leandro Karnal, é um livro que já li cinco vezes e que se tornou leitura obrigatória para os meus alunos de licenciaturas. É difícil encontrar um livro tão prático para o futuro professor ou mesmo para o professor formado. Em essência, são esses os temas abordados:
1º “A aula – introdução ao jogo e suas regras”. Neste capítulo, Karnal explora quatro linhas de força que se dão na educação: o professor, o conteúdo, as condições externas e os alunos.
2º “As pedras da nossa estrada”. A relação professor-aluno é abordada em detalhes, indo desde provas e o ato do aluno fazer perguntas, até o fato de que o professor não pode competir com o estudante em matéria de conhecimento, pois o docente é um profissional.
3º “A tal da criatividade”. Como ser e o que é ser criativo em meio ao dia a dia? Eis uma grande pergunta contemplada. Também há uma ótima reflexão sobre tecnologia e criatividade, que não podem se confundir.
4º “Pais, colegas e diretores”. O título desse capítulo é autoexplicativo, pois Karnal explorará como que o professor se relaciona com os pais dos alunos, com os colegas de trabalho e com a gestão escolar. Nem sempre esses sujeitos têm um mesmo pensamento...
5º “Apertem os cintos, chegou o dia da prova”. Temas tratados: dicas para elaborar provas, como se portar no dia do exame e como entregar as provas para os alunos. Neste capítulo há uma dolorosa história envolvendo Renato Karnal, pai do autor e também professor, que é de chorar, mas que é muito instrutiva. Eis:
“Meu pai, que além de advogado foi professor de Latim, Português e Inglês por muitos anos, contava uma história a esse respeito. O fato ocorreu numa prova de segunda época, mecanismo antigo de avaliação em que o aluno fazia um exame final no período de férias. Após ter corrigido uma folha frente e verso de uma prova, havia uma seta que indicava: “continua na próxima folha”. Não havia próxima folha. Meu pai a procurou muito e ela não existia. Todo professor sabe como é fácil perder uma folha entre centenas. Tomado pela reflexão sobre o melhor caminho, aplicou o princípio do Direito Romano: in dubio pro reo (Na dúvida, a favor do réu.) Meu pai concedeu ao aluno os pontos que faltavam por não ter certeza se a resposta na folha suplementar eram ou não suficientes para a provação. O aluno foi aprovado.
Chegada a formatura, na hora de apertar a mão de cada aluno, meu pai, paraninfo, foi cumprimentado pelo referido aluno. Ao abraçar o professor naquele momento de alegria, o aluno teria dito: “Ainda procurando a folha, professor?” Sim, o aluno era um malandro que conseguira ludibriar meu pai.
O que eu quero dizer ao lembrar essa história do meu pai? Que o dr. Renato Karnal estava correto. Ele fez o que eu faria e tentarei sempre continuar fazendo. É melhor ser enganado por muitos do que uma única vez ter sido injusto. Ser professor também é estar disposto a esse papel. Na dúvida, sempre, absolva. Você terá feito papel de bobo por vezes? Com toda certeza. Ainda defendo que ser um bobo movido por sentimento de ética e justiça é superior a ser um orgulhoso injusto que prefere sacrificar um inocente a colocar em risco seu orgulho. Há professores que preferem colocar em primeiro plano seu orgulho. Esses últimos são sempre e ao fim os únicos e definitivos imbecis.” (KARNAL, 2016, p. 89).
6º “Tecnologia e sala de aula”. Tecnologia não é o fim do ensino, de modo que o professor deve saber utilizá-la e não ser utilizado por ela.
7º “Disciplina”. Este capítulo foi escrito por Rose Karnal, irmã do historiador, que é uma professora da educação básica com décadas de experiência. Sem dúvida que um dos terrores de todo professor é a indisciplina, e este tema é tratado com simplicidade, mas com riqueza de experiência. Sobre o assunto, eu próprio tenho diversas experiências que constam tanto em minhas crônicas (publicadas no Jornal Noroeste) quanto em meus diários (vide “Diário de um Docente: 2019-2021)”.
8º “Por que continuo sendo professor?” Leandro Karnal, desde o princípio do livro, se propõe a tratar do tema da obra com total franqueza, e o faz com maestria. Neste capítulo, por exemplo, ele explora os aspectos negativos da docência, mas também os positivos, e encerra com essas belas palavras: “Por que eu continuo professor? Porque eu faço muita diferença na vida de muita gente. Por mais babaca que pareça para muitos, esse é meu tijolo na parede da cidadania que estamos construindo no Brasil. Essas coisas me fazem feliz. Sou professor porque sou feliz. Para mim, tem bastado ao longo dessas décadas. Basta para você?” (KARNAL, 2016, p. 133).
Como se lê pelos tópicos anteriores, que são, respectivamente, os capítulos do livro, toda a docência, ou o que há de essencial no magistério, é tratado em detalhes. O livro tem tom de conversa, como está expresso no título da obra, razão pela qual Karnal usa a primeira pessoa do singular em todo o texto.
Hoje, 2024, Karnal possui mais de 40 anos de experiência e é internacionalmente reconhecido enquanto professor, historiador, palestrante e escritor. Apesar de toda a fama conquistada, ele, para me valer de Nietzsche, filósofo que ele admira, é “humano, demasiado humano”, o que faz com que seus textos, como “Conversas com um jovem professor”, possam realmente ensinar, pois não foram escritos do alto de uma torre de marfim, mas do chão da sala de aula, de uma sala de aula na qual eu e milhares de outros professores fazemos parte.
Felipe Figueira. Diário de um Docente. São Paulo: Editora Patuá, 2023.
____________. Jornal Noroeste. Link: https://jornalnoroeste.com/colunista/dr-felipe-figueira
Leandro Karnal. Conversas com um jovem professor. São Paulo: Contexto, 2016.
Dr. Felipe Figueira
Felipe Figueira é doutor em Educação e pós-doutor em História. Professor de História e Pedagogia no Instituto Federal do Paraná (IFPR) Campus Paranavaí.