A generic square placeholder image with rounded corners in a figure.


O problema do mau testemunho


Por: Fernando Razente
Data: 26/08/2024
  • Compartilhar:

Romanos 2.24 (ARA): “Pois, como está escrito, o nome de Deus é blasfemado entre os gentios por vossa causa.”

No texto anterior – Autoconsiderações hipócritas – vimos, a partir da exposição de Romanos 2.17-23, o apóstolo Paulo demonstrar como os judeus se consideravam extremamente espirituais, enquanto suas obras diziam o contrário. Concluímos que as autoconsiderações de espiritualidade, virtude e piedade dos judeus eram, na verdade, hipócritas.

Mas quais foram as consequências desse estilo de vida hipócrita dos judeus? Muitas, mas certamente a principal é a morte espiritual como resultado do juízo de Deus. Porém, uma outra consequência é a profanação da honra de Deus através da blasfêmia. Hoje, a partir da exposição do v. 24, veremos exatamente essa consequência do pecado da hipocrisia apontada por Paulo.

O autor utiliza o termo “pois”, no início do v. 24, conectando o que disse anteriormente dos versos de 17 a 23, com o que passará a dizer. Ele havia mostrado que os judeus viviam de modo hipócrita e para o autor existe aqui uma relação de causa e efeito entre a hipocrisia religiosa e a blasfêmia. Essa causa é observada de forma mais evidente na continuação do versículo: “(...) como está escrito, o nome de Deus é blasfemado entre os gentios por vossa causa (di' /δι)”.

 Em relação ao trecho “como está escrito”, os estudiosos da epístola aos Romanos divergem entre si se Paulo estaria citando aqui Isaías 52.5b, que diz “(...) o meu nome é blasfemado incessantemente todo o dia.” ou se seria uma paráfrase de Ezequiel 36.20 “Em chegando às nações para onde foram, profanaram o meu santo nome, pois deles se dizia: São estes o povo do Senhor, porém tiveram de sair da terra dele.” Calvino, por exemplo, entende que seria uma referência a Ezequiel.

Independentemente do texto citado, note que há uma causa apontada para a blasfêmia, pela expressão “por vossa causa”. O autor sagrado usa o termo grego δι', uma preposição primária da língua que denota o canal de um ato. É através e/ou por meio (o que se traduz como “por causa”) daquela prática de hipocrisia religiosa dos judeus que o nome de Deus é blasfemado entre os gentios. Não que a responsabilidade dos gentios pela blasfêmia esteja sendo retirada, mas sim que uma importante parcela de culpa judaica na generalização da blasfêmia gentílica esteja sendo devidamente preservada!

O fato é que o pecado da hipocrisia religiosa é a causa, e tal pecado não termina no ato. Segundo Paulo, o efeito da hipocrisia religiosa é a profanação generalizada da honra e da glória de Deus, isto é, a blasfêmia: “(...) o nome de Deus é blasfemado entre os gentios”. Mas o que é a blasfêmia? O termo usado por Paulo para “blasfemado” é o verbo na terceira pessoa do singular βλασφημε?ται/blasph?meitai. Ele pode ser traduzido como o ato de falar impiamente, difamar, caluniar ou profanar a honra de alguém, e no caso do texto, especificamente a honra de Deus, expressa em seu nome.

O que Paulo está dizendo é que embora os gentios sejam culpados por profanarem e desonrarem continuamente o nome de Deus por pensamentos, palavras e atos, há uma parcela de culpa dos judeus nisso tudo. Por causa de uma vida religiosa hipócrita, os judeus estimularam ainda mais aquela habitual irreverência dos gentios para com o Deus da Aliança.

Segundo o comentarista João Calvino, “(...) a glória e o poder de Deus foram ridicularizados entre os gentios” e isso, em virtude do mau testemunho do povo da aliança. Aqueles que deveriam servir de luz aos gentios e exemplo de reverência e piedade para com Deus, tornaram-se pela hipocrisia, “(...) uma desgraça e desonra a Deus, cuja religião, sendo julgada por sua vida perversa, é blasfemada.”

Aquela confissão pública de piedade, mesclada com uma ostentação e pompa de santidade externa por um lado, e por outro lado aquela vida de pecados, de imoralidades, furtos, falsidades, traições e cobiças dos judeus, davam a impressão aos gentios que o Deus da Aliança era um Deus conivente, indiferente ou até mesmo carnal e flexível com um estilo de vida contraditório, sendo, portanto, uma divindade tão pecadora quanto seus adoradores.

Os judeus, através de uma conduta hipócrita, pintavam na consciência dos gregos um Deus parecido com Dionísio e na consciência dos romanos um como Baco. Com sua hipocrisia, os judeus davam uma grande ocasião para os inimigos do Senhor blasfemarem Seu santo nome e Sua honra.

Afinal, que Deus é este que tem como seus representantes, indivíduos que se consideram instrutores da lei, mestres de crianças, guias dos cegos e que vivem de modo tão ímpio? Não é o Deus dos judeus um Deus maleável, que fecha os olhos para alguns pecados e desconsidera certas corrupções? Estava certo o puritano Matthew Henry quando escreveu que é “(...) uma lamentação que aqueles que foram feitos para serem a Deus um nome e um louvor, sejam para ele uma vergonha e desonra.”

Evidentemente, Deus não é maleável, conivente, carnal ou indiferente para com a corrupção e a imoralidade daqueles que carregam seu nome. Ele é Santo, totalmente puro e promete não ter por inocente aquele que toma seu nome santo em vão (Cf. Êx 20.7). Porém, Ele quis que seu nome fosse conhecido pelas nações pagãs através de uma vida de santidade e verdade do povo judeu. Mas os judeus – povo da aliança – se tornaram hipócritas e perversos. Por isso, como escreveu Geoffrey Wilson, comentando este versículo, “(...) a perversidade religiosa dos judeus fazia os gentios blasfemarem o nome de Deus, pois julgavam o caráter da Deidade pela conduta daqueles que alegavam ser o seu povo.”

Em suma, os judeus como um povo haviam sido eleitos pelo Santo Deus. Eles receberam a Lei, o culto, as alianças e as promessas a fim de serem santificados de entre todas as nações. Eles foram ricamente agraciados para esse fim. Além disso, os judeus eram continuamente exortados por Deus para viverem uma vida pura para que tivessem uma profunda consciência de que eram representantes do Santo Deus na terra. Deviam considerar e obedecer ao terceiro mandamento, não tomando o nome de Deus em vão, evitando realizar uma mera “profissão da religião por hipocrisia” (CM, pg. 113). Este era o dever dos judeus.

Porém, como Paulo nos mostra aqui no v. 24, os tais judeus alimentaram por muito tempo uma falsa piedade, uma religiosidade hipócrita que, na verdade, envergonhava o nome de Deus, dando uma informação falsa de quem Deus era aos gentios através de uma falsa espiritualidade. Os gentios, então, julgando o caráter de Deus pela vida daqueles que diziam ser seus mais notáveis servos, blasfemavam, caluniavam, desonravam, falavam mal de todas as formas possíveis do Senhor.

Agora, vamos às aplicações finais. Como podemos aplicar as lições desta porção do texto sagrado em nossas vidas?

Em primeiro lugar, aprendemos que Deus quis ser conhecido também através de nosso testemunho: Deus se faz conhecido através de Sua Santa Palavra e através da Criação. No entanto, ele também quis que Seu santo nome fosse divulgado ao mundo através da vida de santidade daqueles que lhe servem. Nosso testemunho é um meio de comunicar o caráter, o ser e as obras de Deus. Não devemos desprezar ou mesmo ignorar tamanho privilégio.

Em segundo lugar, aprendemos que o mau testemunho através da hipocrisia corrompe a honra de Deus: se, por um lado, é um grande privilégio poder fazer Deus conhecimento através da nossa vida, por outro é uma grande responsabilidade. A mera confissão religiosa em uma vida de santidade, dizer ser uma coisa, mas na verdade, ser outra, é sustentar um estilo de vida ímpio que dá mau testemunho do evangelho da graça e corrompe a honra de Deus entre os pecadores. Por isso, Romanos 2.24 é um texto que nos mostra que podemos ser os grandes responsáveis pela grande imoralidade e indiferença do mundo em relação à glória de Deus.

Em terceiro lugar, aprendemos que, por outro lado, o bom testemunho glorifica e preserva a honra de Deus: se é verdade que uma vida ímpia induz os descrentes à blasfêmia, também é verdade que uma vida santa estimula os descrentes à fé e ao arrependimento. Por nosso bom testemunho, comunicamos a glória e a santidade do único e verdadeiro Deus, na expectativa de que os pecadores vejam as nossas boas obras e glorifiquem ao Pai que está nos céus (Cf. Mt 5.16).

Em quarto lugar, devemos nos lembrar que Jesus Cristo foi o único homem que jamais desonrou a Deus ou tomou Seu santo nome em vão: o povo judeu não foi capaz de cumprir com suas obrigações pactual de preservar a honra de Deus e Seu santo nome. Porém, um único homem sozinho, Jesus Cristo, foi capaz! Nunca o nome de Deus foi tão preservado, defendido e exaltado com profunda perfeição e exatidão como na vida de Jesus de Nazaré. O Senhor Jesus foi o único a viver de forma íntegra em todo tempo, testemunhando aos gentios uma vida que comunicou a luz e a graça de Deus. Por sua vida, Jesus apontou para o Pai, e por seu testemunho, quem o visse também via o Pai (Cf. João 14.8-10). E foi por meio dessa vida perfeita que Ele conquistou para nós uma justiça plena perante o Pai, justiça imputada a nós pela fé, para que sejamos aceitos por Deus e adotados em sua família. Por isso, nós, que por vezes incitamos a blasfêmia dos que ainda não creem pelo mau testemunho, precisamos nos arrepender sincera e profundamente e, pela fé, crer na justiça de Jesus Cristo que nos justifica!

Amém.

Fernando Razente

Amante de História, atuante com comunicação e mídia, leitor voraz e escritor de artigos de opinião e matérias jornalísticas.


Anuncie com Jornal Noroeste
A caption for the above image.


Veja Também


smartphone

Acesse o melhor conteúdo jornalístico da região através do seu dispositivos, tablets, celulares e televisores.