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Deus é injusto ao aplicar a sua ira?


Por: Fernando Razente
Data: 10/02/2025
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Romanos 3.5-6 (ARA): “5 Mas, se a nossa injustiça traz a lume a justiça de Deus, que diremos? Porventura, será Deus injusto por aplicar a sua ira? (Falo como homem.) 6 Certo que não. Do contrário, como julgará Deus o mundo?”

 

Nos últimos textos estivemos olhando para os versículos 3 e 4 de Romanos 3. Paulo estava tratando do contraste entre a fidelidade de Deus e a infidelidade e incredulidade de alguns judeus. Paulo explicou que de maneira nenhuma Deus pode ser considerado infiel pelo fato de que alguns dentre aquele povo separado não creram; antes, sendo Deus verdadeiro e todos os homens mentirosos, não há como conceber injustiça da parte do Senhor. No fim das contas, “(...) a falsidade e infidelidade humana, longe de anularem a fidelidade divina, põem-na em destaque em nítido contraste.”[1]

Mas – agora nos versos 5 e 6 – um oponente judeu poderia indagar: “(...) se a nossa injustiça traz a lume a justiça de Deus”, isto é, se a incredulidade e a infinidade, no fim das contas, realça mais fortemente a justiça de Deus,[2] “que diremos?”, ou posto de outra forma, “o que podemos concluir?”[3] A conclusão, do ponto de vista do interlocutor, isto é, do ponto de vista do ser humano carnal – esse é o significado da expressão de Paulo em parênteses “(falo como homem)” – é a insinuação da injustiça de Deus: “Porventura, será Deus injusto por aplicar a sua ira?”.

Em outras palavras, se o pecado humano beneficia a Deus, e demonstra sua personalidade justa de uma maneira muito mais contrastante,[4] como ele, com justiça, ainda aplica a sua ira? Se meu pecado – podemos pensar – faz tal contraste com Deus ao ponto d’Ele ser contemplado como o único ser puro e reto, porque eu deveria ser punido? Ou ainda, se a causa do desprazer divino é oriunda dos meios de sua própria glorificação, por qual motivo ele deveria aplicar a sua ira?[5]

Aqui, note bem, o interlocutor imagina que será punido por fazer uma coisa boa. Logo, sente-se injustiçado por Deus. Ninguém há que reclame da justiça divina sem que antes se sinta lesado por ter feito algo bom. Mas a situação é exatamente ao contrário. Não há nada de bom na prática do pecado e na injustiça; não há nada de meritório na iniquidade humana. Por mais que a luz de Deus ressalta ainda mais sobre as densas trevas da corrupção humana, o homem permanece corrupto e digno da ira e do furor justo de Deus. Ponto.

Por isso, a esse argumento malicioso, segundo o hábito dos homens carnais[6] e da “porca razão”[7] de pensar, Paulo rebate com um sonoro e óbvio: “Certo que não.” É evidente que se, anteriormente, no v. 4, o apóstolo já tinha levantado “(...) o axioma primordial de toda filosofia cristã”[8] de que Deus é sempre verdadeiro, como poderia agora assumir que o mesmo Deus é injusto em aplicar a sua ira contra pecadores injustos? Mas Paulo não para por aqui. Ele vai além e lança agora ao seu interlocutor uma contra-pergunta, o que Calvino chamou de “refutação indireta”.[9]

Ele começa dizendo: “Do contrário”, isto é, caso Deus seja injusto ao aplicar a sua ira, “como”, ou “de que maneira”, pergunta Paulo, o juiz de toda terra que é Deus – máxima da fé abraâmica (Cf. Gn 18.25) – julgará esse mundo? Ou seja, Paulo apresenta a função de Deus que consiste em julgar o mundo e estabelecê-lo por meio da justiça[10] como o fundamento da impossibilidade da insinuação de seu interlocutor; e, com isso, o Espírito Santo fecha mais uma porta de subterfúgio malicioso dos judeus ante a ira de Deus.

Se Deus, que tem como função ser o Juiz supremo, não tem competência para julgar alguns dentre os judeus de forma justa – que era a insinuação do interlocutor – como ele terá para julgar o mundo todo e ser aquele juiz de toda terra, conforme a máxima abraâmica? Logo, fica evidenciada “(...) quão absurda era a pergunta original”[11], especialmente vinda de um judeu. Concluímos com a síntese que Calvino apresenta:

“Paulo, pois, baseando seu raciocínio numa impossibilidade, conclui que é um grande erro acusar a Deus de ser injusto, cuja propriedade e natureza essencial é governar o mundo com justiça e retidão.”[12] 

Aprendamos com o texto de hoje a olharmos para Deus como justo juiz, e a não pensarmos maliciosamente em nos valer da glória de Deus em realce pelo nosso pecado para questionar sua ira contra nós. Aqui temos também algumas importantes implicações para nossa edificação: 1) Que há injustiça no pecador, mas, por outro lado, encontramos apenas justiça e retidão no Criador. 2) Que uma das perfeições de Deus é a Sua ira santa, que se aplica contra pecadores que se mantém rebeldes contra o Filho. 3) Que um dos atributos essenciais de Deus é o seu juízo santo e reto, e que por meio deste juízo, Ele julgará todo o mundo de pecadores perversos, para dar a cada um conforme suas obras (Rm 2.6). Amém



[1]HENDRIKSEN, William. Comentário do Novo Testamento - Romanos. São Paulo, SP: Cultura Cristã, 2011, p. 144.

[2]Ibidem, p. 145.

[3]STOTT, John. A Mensagem de Romanos. São Paulo: ABU, 2007, p. 110.

[4]Ibidem, p. 110.

[5]CALVINO, João. Romanos. São José dos Campos, SP: Fiel, 2014, p. 128.

[6]Ibidem, p. 128.

[7]Expressão que Dr. Martinho Lutero gostava de utilizar para se referir ao vício humano de tentar reduzir os mistérios de Deus à concatenações da lógica comum.

[8]CALVINO, João. Romanos. São José dos Campos, SP: Fiel, 2014, p. 125.

[9]Ibidem, p. 129.

[10]Ibidem, p. 129.

[11]STOTT, John. A Mensagem de Romanos. São Paulo: ABU, 2007, p. 110.

[12]CALVINO, João. Romanos. São José dos Campos, SP: Fiel, 2014, p. 130.

 

Fernando Razente

Amante de História, atuante com comunicação e mídia, leitor voraz e escritor de artigos de opinião e matérias jornalísticas.


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