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A história do autor - Romanos 1.1


Por: Fernando Razente
Data: 25/04/2022
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A história do autor - Romanos 1.1 (a)

 

O nome Paulo não nos deixa dúvidas a respeito da autoria da carta aos Romanos. Trata-se do mesmo Saulo apresentado no livro de Atos. A questão dos nomes do apóstolo não é de grande importância e a hipótese mais aceita para a existência dos dois é, que enquanto Saulo é um indicativo de sua religião e raça, o nome Paulo (latim) era indicativo de sua cidadania romana, visto que “[...] raramente ou nunca, [o nome Paulo] era usado por judeus sem cidadania romana” (KEENER, 2017. p. 508). Mas quem é, de fato, Paulo? Qual a história do nosso autor?

Como defende Merrill C. Tenney (1904-1985), renomado professor do Novo Testamento e grego, “As principais fontes de conhecimento sobre a vida de Paulo são o relato lucano do livro de Atos [c. 70 d.C.], onde este apresenta suas atividades, sua conversão e suas viagens; os seus próprios discursos, nos quais faz alusão aos seus primeiros dias; e as próprias epístolas nas quais se refere ocasionalmente às suas circunstâncias, sentimentos e planos.” (1950. p. 77-78). Algumas porções dessas epístolas paulinas que apresentam características da história pessoal de Paulo são 2 Coríntios 11.22, Gálatas 1.13-14, 1 Timóteo 1.13, etc.

Contudo, comecemos nossa abordagem a partir do texto da epístola de Filipenses, onde Paulo menciona sua infância. Em Filipenses, Paulo diz que ainda quando criança foi “[...]circuncidado ao oitavo dia, [veio] da linhagem de Israel, da tribo de Benjamim, [sendo] hebreu de hebreus; quanto à lei, fariseu.” (Fl 3.5). Já em Atos, vemos a cidade natal de Paulo: Tarso (Atos 21.39), uma cidade na Cilícia, província do Império, ganhando em seu nascimento a cidadania romana (Atos 22.27-29). Portanto, juntando essas duas narrativas iniciais, temos um Paulo judeu fariseu (partido religioso), sendo também filho de fariseus (Atos 23.6), mas com cidadania romana.

Provavelmente, ainda quando criança Paulo foi entregue à instrução formal dos preceitos dos fariseus, aprendendo principalmente aos pés de Gamaliel (Atos 22.3), um nobre e erudito mestre da lei judaica e membro do Sinédrio (o mais alto tribunal religioso dos judeus), sendo acatado por todo o povo (Atos 5.34). Na sua juventude, Paulo já considerava-se o mais rígido e distinguido entre os fariseus de sua idade, tornando-se num ferrenho perseguidor da igreja cristã, que era considerada, nos primórdios, uma seita judaica que propagava heresias e precisava ser eliminada (Fl 3.6; Atos 8.3; 1 Cor 15.9).

Paulo, então, assolava casas de cristãos e arrastava homens e mulheres ao cárcere. Em Gálatas 1.13, o próprio Paulo diz que “[...] sobremaneira perseguia a igreja de Deus e a devastava”. Lucas, o médico, registrou as próprias palavras de Paulo que sintetizam a história do autor antes da sua fé em Cristo: “Na verdade, a mim me parecia que muitas coisas devia eu praticar contra o nome de Jesus, o Nazareno; e assim procedi em Jerusalém. Havendo eu recebido autorização dos principais sacerdotes, encerrei muitos dos santos nas prisões; e contra estes dava o meu voto, quando os matavam. Muitas vezes, os castiguei por todas as sinagogas, obrigando-os até a blasfemar. E, demasiadamente enfurecido contra eles, mesmo por cidades estranhas os perseguia.” (Atos 26.9-11).

Contudo, esse homem cruel e intolerante passou por uma situação que mudou sua história completamente. Quando estava a caminho de Damasco para cumprir sua terrível missão de prender mais cristãos, Paulo recebeu um chamado eficaz de Cristo através da aparição do Senhor em um corpo glorificado. A dureza e a crueldade do coração de Paulo não foram capazes de resistir à majestosa, poderosa, doce e soberana graça salvadora de Jesus. Com o resplendor da luz daquela teofania, Paulo acabou ficando cego e em seguida, por ordem de Jesus, foi levado para a cidade de Damasco onde ficou num quarto, aguardando uma solução.

Durante três dias não comeu e nem bebeu. Enquanto estava orando, teve uma visão de um homem impondo-lhe as mãos e o curando. Nesta mesma ocasião, Jesus se manifestou numa visão a um discípulo seu daquela cidade chamado Ananias e o comissionou para ir até Paulo e impor-lhe as mãos para recuperar a vista. Então Paulo, após receber a cura da cegueira pelas mãos de Ananias (Atos 9.17), levantou-se e foi batizado, alimentou-se e após alguns dias passou a proclamar a fé que antes perseguia, mudando radicalmente de identidade e de missão de vida. Ocorreu com Paulo, como comentou Tenney, um "[...] transcendental desvendamento de um Cristo vivo [...] à sua consciência e isso lhe deu uma atitude inteiramente nova com relação à vida.” (1950. p. 102).

?    A “Conversione di San Paolo” é uma das mais conhecidas obras do pintor italiano Caravaggio (1571-1610), pintada entre 1600 e 1601 para a Igreja Santa Maria del Popolo, basílica menor agostiniana em Roma, Itália. 

Esse é o poder do evangelho. A conversão a Cristo não se trata de uma verdade abstrata que é discutida de forma fria ou dissecada como um corpo morto num laboratório; ela é um encontro radical e pessoal com o Cristo vivo pela fé que redireciona toda uma carreira de vida. Particularmente, aprecio muito a maneira como o teólogo Bento XVI (1927-) na introdução de sua encíclica Deus Caritas Est, colocou essa questão: “No início do ser cristão, não há uma decisão ética ou uma grande ideia, mas o encontro com um acontecimento, com uma Pessoa que dá à vida um novo horizonte, e assim, o rumo decisivo." (2005. p. 7). Portanto, quero destacar o fato de que na primeira palavra de Romanos está contida a história de um encontro transformador com Cristo, onde aquele que foi chamado graciosamente pelo Salvador teve sua identidade radicalmente alterada pelo resto de sua vida.

Quem Paulo era e o que fez virou passado; seus pecados foram perdoados e lavados na cruz sangrenta de Cristo para que unido a Jesus pela fé, Paulo se tornasse em uma nova criatura (2 Cor 5.17) a fim de viver em serviço grato a Deus. É este o homem que se apresenta como o autor da epístola. Desta forma, não podemos olhar para o conteúdo da epístola de Paulo como mais uma série de preceitos teológicos elaborados por mais uma cabeça cheia, mas de coração vazio, como costumamos ver entre muitos professores de Teologia. Romanos não é um livro de doutrinas belas advindas de um homem hipócrita, dissimulado, cínico e moralista.

Na verdade, o ensino que se apresenta no livro é profundamente existencial, fruto da experiência visceral, se assim posso dizer, de Paulo com Jesus Cristo. A Teologia de Paulo é resultado de sua conversão [regeneração], e não da vil busca pela aparência de sabedoria religiosa. É a exposição sistemática, porém não abstrata, da mensagem celestial que afetou radical e maravilhosamente os pensamentos, os desejos, as afeições, as prioridades, o núcleo mais profundo da do coração do autor. Como alguns já disseram, Romanos tem cheiro de pólvora no calor da guerra e não de uma biblioteca mofada. Se Deus permitir, na próxima semana veremos o teor da sequência do versículo 1, abordando mais detalhes sobre a nova identidade que Paulo recebeu de Cristo: “[...] servo” (1.1b).

Até a próxima!

Kyrios Iesous

 

Fernando Razente

Amante de História, atuante com comunicação e mídia, leitor voraz e escritor de artigos de opinião e matérias jornalísticas.


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