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Mateus 3.16 ensina o batismo por imersão?


Por: Fernando Razente
Data: 29/03/2022
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A dúvida desta semana foi enviada por um leitor que questionou a respeito da validade do ensino de que o batismo cristão só é válido se for administrado por imersão (mergulho nas águas). Alguns proponentes dessa linha de pensamento imersionista tomam como base argumentativa o texto de Mateus 3.16 e outros. Devido ao pouco espaço que disponho aqui, pretendo analisar somente o texto de Mateus. A primeira tarefa é entender o contexto. Em seguida, aplicar a exegese e, por fim, relacionar o ensino exegético com a tese do imersionismo. 

O texto de Mateus 3.16 está no chamado Evangelho de Mateus, escrito por Levi, o publicano judeu que foi chamado por Jesus quando estava na coletoria romana (Lucas 5.27). O livro  foi escrito entre 50-60 d.C e é direcionado especialmente para um público judaico, apresentando Jesus de Nazaré como o tão esperado Messias e o legítimo rei de Israel. Ao longo de todo o livro de Mateus há várias citações do Antigo Testamento que apresentam muitos aspectos da vida e ministério de Jesus como o cumprimento das profecias messiânicas. Portanto, Mateus escreveu seu evangelho para fortalecer a fé entre os judeus cristãos e isso fornece um recurso apologético útil para o evangelismo judaico. 

Na divisão ou esboço tradicional do livro, o capítulo três encontra-se dentro das narrativas sobre O Advento do Rei (1.1. a 4.25) e a parte “b” deste esboço fala sobre o ingresso de Jesus no ministério, tendo o batismo de João como o início de seu trabalho público. Em Mateus 3, João Batista pregava no deserto da Judeia, onde saíam a ter com ele Jerusalém, toda a Judéia e toda a circunvizinhança do Jordão; e eram por ele batizados no rio Jordão, confessando os seus pecados. Jesus também se apresenta para ser batizado, e sendo ele admitido por João o texto segue e diz: “Batizado Jesus, saiu logo da água, e eis que se lhe abriram os céus, e viu o Espírito de Deus descendo como pomba, vindo sobre ele.” (Mt 3.16). 

O argumento para o batismo por imersão gira em torno da etimologia da palavra “batizado” que aparece neste versículo 16 e em outras passagens bíblicas. Toma-se também como base para a imersão o fato de Jesus ter saído da água após o batismo. Fica claro que Jesus ter saído da água não representa que ele tenha antes mergulhado na água. Se eu ouço alguém dizer que saiu do banho, não posso tomar isso como equivalente lógico de que esse alguém estava mergulhando no banho. Não há correlação lógica e necessária entre ambas as coisas. Portanto, não tomo esse argumento do sair da água como de importância para refutá-lo. 

Por outro lado, é de grande importância a discussão a respeito da etimologia do termo “batizado”. Penso que existem duas maneiras de analisar os termos que aparecem nos originais. A primeira leva em consideração apenas a sua etimologia (origem das palavras) e a segunda leva em conta seu aspecto usual (o sentido que um termo adquire pelo uso e não pela etimologia). Da primeira forma, lemos em Mateus 3.16 o termo baptistheis/Βαπτισθε?ς que vem do verbo grego baptizó/βαπτ?ζω e significa literalmente “mergulhar” e “afundar”. 

Neste sentido puramente etimológico, a interpretação de que o batismo deve ser administrado mergulhando o candidato por completo nas águas (imersão) não está errada. Contudo, o sentido etimológico dos termos nem sempre é seguro na análise exegética. O historiador francês Marc Bloch (1886-1944) comenta que “[...] os homens não têm o hábito, a cada vez que mudam os costumes, de mudar de vocabulário.” (2001, p. 59). Isso significa que uma mesma palavra pode ser usada para representar costumes ou práticas completamente diferentes ao longo da história. Isso nos mostra que tomar um termo somente em seu sentido etimológico e não histórico e usual é um erro de análise de qualquer texto religioso. 

O mais seguro para nós é entender como, naquela cultura judaica, o termo grego baptizó era utilizado (daí a importância de entender primeiro os destinatários do evangelho de Mateus). Embora o termo grego possa etimologicamente significar “afundar”, na literatura do Novo Testamento ele aparece como “lavar”, “limpar” ou “purificar por lavagem”, como aponta Mounce no Léxico Analítico do Novo Testamento (2013, p. 136). Além desse recurso exegético, vemos por exemplo, em Marcos 7.4 — no texto em português — que os fariseus “[...] quando voltam da praça, não comem sem se aspergirem; e há muitas outras coisas que receberam para observar, como a lavagem de copos, jarros e vasos de metal [e camas]).” O termo grego utilizado nesta passagem para “aspergirem” é exatamente o termo baptis?ntai/βαπτ?σωνται do verbo baptizó — também utilizado em Mt 3.16 — com o sentido de “aspersão” ou “lavar”. 

Afinal, os fariseus não mergulhavam em tanques ao voltarem do mercado, nem muito menos suas camas eram jogadas em tanques de água sempre que saíam para comprar algo na praça; eles apenas aspergiam a si mesmos e esses elementos como sinal de purificação. Além disso, é importante considerar que não se lava uma coisa apenas mergulhando-a, mas como fazemos ao lavar uma louça, aspergindo-a também. Portanto, o sentido usual que o termo baptizó adquire no NT é o de “lavar” e não “mergulhar” como entende-se etimologicamente. 

Sendo assim, o termo que aparece para batismo em Mateus 3.16 é melhor interpretado e entendido como um ato de aspersão ou infusão. Para dar mais ênfâse a essa tese da aspersão, consieremos os antecedendes cerimoniais do povo judeu. Todos os batismos cerimoniais do Antigo Testamento foram realizados por aspersão ou efusões. Os grandes batismos tipológicos do Antigo Testamento, chamados de batismos no Novo Testamento (1Co 10.2; 1Pe 3.20-21) não foram por imersão. 

Além disso, o batismo do Espírito Santo, simbolizado pelo batismo com água, é sempre descrito na Escritura em termos de aspersão ou infusão (Is 44.3; Ez 36.25; Joel 2.28-29; Ml 3.10; Atos 2.17-18; Atos 10.44-45). Da mesma forma, a aplicação do sangue de Cristo em nós, simbolizada pela água do batismo, é sempre descrita na Escritura como sendo aspergida (Is 52.15; Hb 10.22; Hb 12.24; 1 Pe 1.2).

Por fim,  historicamente o modo de batismo (se aspersão ou imersão) nunca entrou em questão na igreja cristã primitiva. Parece que os dois modos eram praticados sem nenhum problema. Se a imersão era praticada, por outro lado não era o único modo e isso não era considerado como essência do batismo genuíno (BERKHOF, 2015, p. 230).

* Indicação de leitura: HODGE, Charles. O Batismo Cristão: Imersão ou Aspersão? São Paulo, SP: Cultura Cristã, 2019. 

Fernando Razente

Amante de História, atuante com comunicação e mídia, leitor voraz e escritor de artigos de opinião e matérias jornalísticas.


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