Educar com propósito: o modelo
Penso que uma educação escolar “com propósito” se constrói a partir das respostas às seguintes três perguntas: 1) Qual é o papel da instituição escolar no fornecimento de um modelo de vida? 2) Qual a necessidade de um vínculo comunitário e consciente entre família, escola e alunos sobre a base desse modelo? e 3) Qual é a importância da família no auxílio da descoberta do propósito particular (ou seja, a vocação) dos alunos?
Estas são, o que creio, as três questões “pilares” de uma educação com propósito escolar no século XXI, na era da tecnologia impessoal. Para que se construa uma educação dignamente proposital e intencional, faz-se necessário pensar e responder adequadamente essas perguntas. Procurei elaborar as respostas a essas questões em uma palestra, no início deste ano, para pais e alunos em uma instituição que leciono. O que descrevo abaixo, é uma espécie de transcrição resumida da fala.
Comecemos pela primeira questão: Qual é o papel da instituição escolar no fornecimento de um modelo de vida? Na construção de uma educação com propósito, devemos partir da consciência de que toda a educação escolar existe para um propósito específico. Não existe algo como uma educação escolar neutra de propósitos ou sem objetivos. E, como estamos lidando com seres humanos, é evidente que tal propósito está relacionado com um modelo de vida humana a ser alcançado dentro do processo educativo.
Um modelo de vida humana é o resultado de um paradigma de personalidade. O paradigma é uma representação de um modelo a ser seguido por muitos ou por todos. Quando aplicamos à personalidade, fica claro que estamos falando de um modelo de vida moral a ser seguido.
Toda forma de educação carrega consigo – de forma explícita ou implícita – pressupostos de um modelo de vida formativo, que não trata apenas sobre o que todos devem saber em termos de conteúdos, mas também de como devem viver para alcançar determinado fim.
Por exemplo: uma educação que valoriza muito o ensino da estética física, pressupõe um ideal de ser humano estético; uma educação que valoriza muito o aspecto econômico, certamente valoriza um ser humano próspero financeiramente. Uma educação que valoriza o caráter, a moral, a ciência, a intelectualidade, a saúde, etc., tem como modelo um ser humano com essas qualidades.
Em outras palavras, toda educação possui um determinado arquétipo de ser humano que julga ser ideal. Neste sentido, a razão de existir de uma escola, ao nascer como instituição, é ser um local onde abriga profissionais que sejam capazes de guiar os alunos, através das mais variadas disciplinas formativas, a aproximarem-se ao máximo de um determinado arquétipo ideal de ser humano.
O famoso pedagogo italiano Franco Cambi (1940-), em sua volumosa obra História da Pedagogia, publicada pela primeira vez em 1999, nos mostra que fornecer um modelo de vida sempre foi a função da educação.
Ao fazer uma reconstrução interpretativa geral da história da pedagogia ocidental, Cambi nos mostra que, seja entre gregos antigos ou entre os cristãos da igreja primitiva, tinha-se entre eles a ideia de uma formação integral e idealizadora (indo do treinamento físico como ginástica, até a música, bem como a vida intelectual) com o fim de alcançar aquele determinado perfil de ser humano ideal.
Para os gregos, vivendo na era da mitologia clássica, o ideal a ser perseguido pelos meninos eram os heróis como Aquiles; já para os cristãos, o modelo (que creio firmemente ser o melhor) para mulheres e homens, crianças, jovens, adultos, e idosos, ricos e pobres, era e é Jesus Cristo, o ser humano perfeito. Toda a educação era recalibrada no centro desse modelo; todo conteúdo era personalizado para que a criança alcançasse esse fim! Será que todos os diretores, coordenadores, professores, pais e alunos estão conscientes do modelo proposto de ser humano por trás da educação formal?
No entanto, embora seja importante ter a consciência de um modelo de ser humano, isso não basta para construir uma educação escolar com propósito. Pois parte dos problemas educacionais da sociedade pós-moderna estão no fato de termos modelos de ser humano conflitantes e contraditórios dentro da sociedade.
Logo, para o bem das crianças, precisamos – como escola e família – de um discurso alinhado sobre o modelo que queremos para os nossos filhos. Quando a família diz uma coisa, a escola diz outra, o mercado de trabalho outra, a universidade outra, as mídias outra e as igrejas outra, o efeito é que os alunos se encontram numa crise de identidade sobre qual modelo é melhor para seguir.
Nessa crise, os alunos perdem o senso de direção pessoal e não enxergam valor no processo educativo. É, portanto, de responsabilidade da família juntamente com a escola, unir-se em torno de um mesmo modelo de ser humano a ser formado na criança. A família, assim como num casamento, deve celebrar uma maravilhosa aliança comunitária em torno de um modelo ideal de ser humano para os alunos.
Quando os pais brigam e discordam, os filhos ficam confusos. Quando a escola e a família buscam coisas diferentes na educação, os alunos ficam confusos e perdidos. Quando essas três instâncias sociológicas (a família, unidade mais básica e fundamental da sociedade; a escola, instituição especializada no ensino; e o aluno, ser humano munido de capacidades a serem exploradas e potencializada) se unem na busca de alcançar um mesmo modelo ideal de ser humano, a educação com propósito passa a ser assegurada ao aluno pela coerência e unidade, marcas da verdade que não se contradiz e cria barreiras permanentes contra o perigo do relativismo moral.
É exatamente quando a escola, a família e a sociedade demonstram uma incoerência no discurso e na prática, quando o relativismo ético e moral lançam influência no ensino, que os problemas pedagógicos e morais no jovem começam a se acentuar. Porém, filhos que são constantemente lembrados por seus pais e professores sobre um modelo a ser seguido, que possuem o exemplo vívido desse modelo em casa ou na sala de aula, tais filhos se mantêm firmes e constantes mesmo em meio a muitas tempestades da vida escolar e social.
Fernando Razente
Amante de História, atuante com comunicação e mídia, leitor voraz e escritor de artigos de opinião e matérias jornalísticas.