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O diploma


Por: Fernando Razente
Data: 05/04/2024
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Todo símbolo, in re ipsa, não é nada. A linguagem do símbolo é puramente representativa. O símbolo não possui categoria própria, mas cumpre apenas a função de comunicar uma realidade que é anterior a ele mesmo. Assim como uma placa de trânsito na rodovia comunicando que a 100m há uma curva acentuada, os símbolos são apenas sinais que apontam para algo à frente e além deles mesmos. Assim como a imagem de um cachimbo não é um cachimbo (Ceci n’est pas une pipe), o símbolo de algo não é “o algo”.

O problema surge quando tenta-se isolar o símbolo da coisa representada e, em seguida, admirá-lo, amá-lo e exaltá-lo mais do que a própria coisa. É como se maravilhar com uma pintura que retrata o perfil de sua esposa, mas desprezar a presença real dela em seu lar. As razões dessa troca absurda podem variar, mas a minha suspeita é que, geralmente, quando a coisa representada é gloriosa demais para nossa mente, nos refugiamos no símbolo.

Parece absurda essa forma de compreensão dos símbolos, mas creio ser uma descrição precisa da “cultura da diplomação”, tão praticada entre muitos acadêmicos e professores. Se sabemos que um diploma nada mais é que um símbolo, por que muitas vezes o valorizamos mais que a própria coisa representada nele?

O diploma é um mero símbolo; aliás, um símbolo extremamente hipotético! Afinal, o diploma pode não ser um garantidor fiel da capacidade intelectual de alguém que o possui. O diploma pode, no máximo, ser uma hipótese da existência de tal capacidade, que deverá ser comprovada na atuação profissional.

Explico: a razão dessa natureza hipotética da veracidade das descrições no diploma, como “especialista”, “mestre”, “doutor”, é que, atualmente (mas nem só atualmente!), para se chegar até o grande dia da diplomação, existem muitos caminhos sombrios sendo percorridos. Os conchavos ideológicos entre alunos, instituição e corpo docente, a prática das “colas” em avaliações, os subornos e tudo de pior que você imagine — mais compreensivelmente, é claro — estar acontecendo apenas no esgoto parlamentar de Brasília.

Por outro lado, é preciso reconhecer que muitos estudantes chegaram e chegam até a diplomação através de uma jornada intelectual ilibada de verdadeiro esforço, sacrifício, noites em claro, honestidade, propósito e, acima de tudo, domínio do conteúdo (são graças a esses estudantes que ainda podemos ir ao médico mais tranquilos). Mas aqui está a verdadeira qualidade da diplomação: o domínio do assunto! Sem isso, o diploma é um emblema vazio. Sem o domínio, o diploma não pode ser visto como um accessorium sequitur principale. Afinal, o papel não garante o profissionalismo; mas o domínio, sim.

E o que garante o domínio? Para responder, gostaria de lembrá-los do que escreveu Aristóteles (384-322 a.C.), em seu tratado sobre a arte dialética chamado Tópicos (um dos textos do Organon, famoso Corpus aristotelicum), sobre a relação entre autoridade e domínio do assunto:

“(...) os homens estão predispostos a dar seu assentimento aos pontos de vista daqueles que estudaram (...) por exemplo: numa questão de medicina, concordarão com o médico, numa questão de geometria, com o geômetra; e da mesma forma nos outros casos.” (ARISTÓTELES, 2005. 608p. pp. 81-110).

Note que Aristóteles não separa o “ofício” publicamente reconhecido do “estudo” notoriamente reconhecido, isto é, o domínio do assunto. Ou seja, um médico (ofício) não é médico em virtude de um diploma da USP; um geômetra (ofício) não é geômetra em virtude de um diploma da UFPR e, um filósofo (ofício) não é filósofo em virtude de um diploma da UEM; mas todo profissional é reconhecido como autoridade em seu ofício pelo domínio que demonstra possuir do conteúdo de sua τ?κνη (techn?).

Por fim, pergunto a vocês: Aristóteles possuía algum diploma? Algum dos grandes filósofos, médicos, físicos e matemáticos da Antiguidade possuía algum diploma? E por isso devem ser consideradas pessoas com menor autoridade nos assuntos em que tanto se dedicaram e que notoriamente dominavam até mais do que aqueles que hoje possuem diplomas e mais diplomas nas mesmas áreas, mas não capazes de ensinar ou aplicar? E quanto aos verdadeiros mestres de nosso tempo que, não

possuindo um diploma, são notoriamente mais capazes e qualificados do que muitos docentes do establichment pós-moderno?

Novamente, o diploma é apenas um símbolo, um símbolo hipotético de autoridade. A autoridade verdadeira está no domínio do assunto, com ou sem um papel vergê na parede do escritório. É ridículo para o apreciador de tabaco ficar satisfeito com a imagem de um belo cachimbo churchwarden no quadro da parede sem ter nenhum em suas mãos para pôr na boca? É ridículo o homem que aprecia a bela obra de arte representando sua esposa, mas não se deleita na agradável companhia de sua amada? Pois é igualmente ridículo vangloriar-se de um diploma sem ter a capacidade de comunicar com domínio o conteúdo que o mesmo diploma diz ter sido um dia dominado.

Fernando Razente

Amante de História, atuante com comunicação e mídia, leitor voraz e escritor de artigos de opinião e matérias jornalísticas.


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