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Educação dos afetos: o que é?


Por: Fernando Razente
Data: 03/06/2024
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Hábitos são constantemente compreendidos como um conjunto de “práticas criativas”, isto é, atos regulares que são criadores de novas formas de vida, paixões e amores. Aqueles que assim compreendem os hábitos, pensam, por exemplo, da seguinte maneira: “Se você não gosta de se exercitar, experimente criar o hábito de se exercitar. Você vai aprender a gostar!”.

Essa ideia, embora funcione em muitos casos, é superficial e não toca no âmago do problema de alguém que sente muita dificuldade de fazer algo, especialmente se esse algo for estudar e ter uma vida intelectual. Tenho entendido, a partir de pesquisas em cognição afetiva, psicologia e filosofia moral que, na verdade, hábitos são melhor compreendidos quando vistos como “práticas facilitadoras”.

Neste sentido, hábitos não criam nada; na verdade, eles são apenas práticas regulares e disciplinadas que nos permitem alcançar com mais facilidade algo que já desejamos e amamos muito. Isso significa, evidentemente, que existe algo antes dos hábitos e este algo se chama desejos, ou numa linguagem da ética agostiniana, são os “amores”.

Logo, os hábitos servem para fortalecer esses amores pré-existentes em nós e facilitar o nosso acesso ao objeto amado. Essa compreensão nos leva a entender que a elaboração de hábitos, sem levar em consideração a força dos amores, não dará bons resultados. Pensemos nisso na situação intelectual.

Criar hábitos de estudos não é uma tarefa fácil para a maioria. Mas se o problema é simplesmente a falta de hábito, a solução seria simplesmente a criação de hábitos.  Porém, como sabemos, isso não é assim. O problema é, como dizem, “mais em baixo”: é a vontade, os desejos, os amores. Criar hábitos de estudo não é fácil porque a maioria de nós não gostamos de estudar.

Um exemplo claro e marcante disso é a experiência de St. Agostinho (354-430 d.C.), com os estudos. Em suas Confissões, o pensador escreveu que, na infância, tinha muita dificuldade e não gostava de estudar (estamos falando do maior teólogo e filósofo latino da Era Patrística!). Ele reflete, já adulto, sobre a razão daquela aversão: “(...) nesse período da meninice, que a meu respeito, suscitava menores apreensões do que o da adolescência, eu não gostava do estudo e detestava ser obrigado a ele. No entanto, eu era a isso obrigado, e para o meu bem. Mas eu não agia bem, pois só estudava quando coagido. Contra a vontade, ninguém procede bem, ainda que a ação em si mesma seja boa.” (AGOSTINHO, Santo. Confissões, p. 35.)

Neste trecho da obra, notamos que o problema do jovem Agostinho não era a falta de hábitos, mas de gosto, de desejo, de amor! Ele “detestava” os estudos. Ele “não gostava” do treinamento intelectual e, contra o seu gosto marcado pela falta de gosto, nada podia fazer bem, como nenhum de nós pode. Daí que para desenvolvermos hábitos intelectuais, como separar sempre duas horas por dia após as aulas para revisar os conteúdos ou mantermos nossas leituras em dia, com anotações e reflexões, é preciso antes aprendermos a amar os estudos!

Nenhum hábito pode criar o amor, mas o amor é o que cria os hábitos. Essa abordagem dos amores na área intelectual é o que chamamos em filosofia moral de “educação afetiva”. Educar os afetos na área intelectual significa compreender os desejos mais fortes de nosso coração e direcioná-los para os estudos, pois se os afetos forem tocados, a criação de hábitos intelectuais serão mais fáceis e naturais.

É extremamente cansativo e estressante tentar convencer a nós mesmos sobre o dever de estudar uma determinada disciplina na marra, e será muito mais prazeroso e tranquilo se formos capazes de aprender a amar o que há de Verdadeiro, Bom e Belo por trás de cada disciplina. Se nossos desejos forem captados por uma visão apaixonante do que estamos estudando, a criação de hábitos será mais natural, leve e proveitosa. 

Fernando Razente

Amante de História, atuante com comunicação e mídia, leitor voraz e escritor de artigos de opinião e matérias jornalísticas.


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