Educação dos afetos: como amar uma disciplina?
No último texto desta coluna defendi que, quando se trata de criar hábitos de estudos, precisamos antes considerar a possibilidade de lidar com os nossos afetos mais profundos, de mexer com os nossos gostos e compromissos mais internos, enraizados em nosso consciente (e muitas das vezes, em nosso subconsciente!).
Em outras palavras, devemos ir no cerne afetivo de nosso intelecto e ali trabalhar para que sejam direcionados a coisas belas, boas e verdadeiras, como o aprendizado e a formação intelectual pessoal. A importância de se trabalhar as afeições está demonstrada na famosa frase de St. Agostinho: “Meu peso é meu amor. Para onde quer que eu seja levado, é ele quem me leva.”
Ou seja, se os afetos forem “capturados” pela sublimidade dos estudos, é, naturalmente, para os estudos que o amante naturalmente irá, criando para si, sem dificuldades, hábitos facilitadores para alcançar o objeto amado. Agora, existem estratégias para inspirar ou “capturar” nossos amores e desejos e direcioná-los aos estudos? Sim, existem, e eu quero abordar apenas duas neste breve texto.
A primeira estratégia é a que chamo de contemplativa.
Tempos atrás li o livro “Ever After” (2017), escrito pelo Dr. Stephen Turley (PhD pela Universidade de Durham, professor de teologia, grego e belas artes). No capítulo 5, Turley fala sobre o “segredo para gerar um aluno que ame sua disciplina”. Título curioso! O que me chamou mais atenção foi como Turley argumenta sobre a possibilidade de ensinarmos os nossos alunos a amarem uma determinada disciplina por meio de contemplação mediada.
Essa contemplação mediada não é uma simples leitura artística da realidade, mas é ensinar os alunos a verem - na prática - suas próprias vidas e sociedade ao redor pela ótica (daí o termo “mediada”) de cada matéria, a fim de que a própria matéria não seja um eco distante do dia a dia ou algo isolado que mantemos contato apenas na sala de aula, mas sim uma descrição/explicação maravilhosa das estruturas que possibilitam o funcionamento de sua própria existência e da sociedade!
Seria como ensinar aos meus alunos de história que o tempo não é um conceito puramente abstrato que se aprende em livros didáticos e se explica numa prova escrita; é mais! Não é somente uma realidade existente somente na vida dos antigos povos; é mais! O tempo é uma das dimensões na qual todos nós estamos inseridos; é através do tempo e condicionados por ele que existimos, vivemos e construímos nosso legado individual, peça por peça.
Turley argumenta que, ensinando os alunos a desenvolverem a habilidade de contemplar a realidade mediada pelas lentes disciplinares, os livros didáticos, o quadro do professor e a própria matéria tomam vida, provam sua relevância e cativam os amores dos alunos.
A segunda estratégia eu chamo de adorno curricular.
Há alunos que amam certas práticas que não fazem parte de um currículo escolar padrão. Eles amam coisas que estão fora da escola e, por isso, se interessam pouco pelo que há do lado de dentro. No entanto, ao invés de forçá-los a se adequarem às exigências curriculares (nada interessante a eles), podemos usar uma estratégia: podemos adornar essas práticas que estão fora do currículo com os conteúdos curriculares, a fim de atraí-los para essas disciplinas regulares da escola.
Por exemplo: imagine um aluno que ama a prática de prova de laço ou de hipismo. Tais práticas não são contempladas em currículos escolares. O que fazer? A estratégia do adorno curricular nos diz que, para que esse aluno se engaje nos estudos, basta que sejamos capazes de mostrar a ele a relação fundamental entre as disciplinas regulares e as provas de laço ou hipismo.
Podemos falar sobre a biologia dos cavalos, sobre a química da alimentação equina, sobre a física na tração animal, sobre a matemática presente no tempo das provas e na pontuação, sobre a história desses esportes, sobre a relação entre a economia e a sociologia de uma região com a demanda por essas práticas, e não para por aí. Na verdade, um imenso mundo de relações não imaginadas entre a grande paixão do jovem e as disciplinas que são ensinadas diariamente na escola se desvela ao aluno, e ele percebe que está, na verdade, de frente com descrições (ainda que parciais) daquilo que ele tanto ama!
A estratégia chama-se adorno porque se parece com a estratégia de um vendedor de joias que, por muitas vezes, tentou convencer seu amigo (que amava obstinadamente a sua mulher) a comprar um lindo colar de pérolas para ela. O seu amigo, sempre parcimonioso, rejeitava toda tentativa de venda. Até que o vendedor teve uma ideia brilhante.
Ele marcou um jantar em sua casa, e pediu para que o amigo levasse a sua mulher. Enquanto jantavam, e o amigo falava o quão apaixonado estava por sua esposa, o vendedor se levantou, pegou sua maleta, tirou o colar, e o colocou no pescoço da mulher amada. Quando viu aquele adorno abrilhantando ainda mais a beleza de sua esposa, ficou encantado com o colar e decidiu comprar.
Isso nos ensina a importante lição do adorno: se você adorna o objeto amado, o adorno também será amado. Ou seja: ensine como aquelas coisas que seus alunos amam (esportes, games, etc.) estão profundamente relacionados com as disciplinas curriculares, e as disciplinas também serão amadas.
Fernando Razente
Amante de História, atuante com comunicação e mídia, leitor voraz e escritor de artigos de opinião e matérias jornalísticas.