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Crocodilo: quando o luto arranca as palavras do fundo do peito


Por: Alessandra Macon
Data: 30/04/2025
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“Hoje, meu filho Pedro pulou da janela do seu apartamento.”

Com essa frase brutal, seca e definitiva, Javier A. Contreras abre o romance Crocodilo, vencedor do Prêmio APCA. E não há aviso prévio, nem respiro. A tragédia já aconteceu. Estamos diante dos cacos.

Mas Crocodilo não é um livro sobre a morte. É um livro sobre o que sobra.

Nos sete dias que seguem o suicídio do filho, Ruy — pai de Pedro — vagueia por uma espécie de purgatório terreno. O tempo se dilata, os sentimentos se embaralham, e as certezas se dissolvem como açúcar na boca. Entre a dor que não sabe nomear e as perguntas que jamais serão respondidas, ele tenta existir. Só isso.

Com prosa ágil, precisa e incrivelmente contida, Javier A. Contreras constrói um relato emocional que não recorre ao exagero. Não há cenas gritadas, nem lágrimas derramadas em câmera lenta. O que há é o luto nu, silencioso, cru. A ausência que preenche tudo.

Ao mesmo tempo, Crocodilo é uma carta não enviada, um acerto de contas com a paternidade, com o tempo que não volta, com o mundo que exige performance e felicidade 24 horas por dia. É, sobretudo, sobre aquilo que deixamos de dizer — por orgulho, medo ou simples distração.

E é por isso que o livro dói tanto. Porque Ruy não é um personagem fictício. É o pai que conhecemos. É o pai que somos. É o pai que seremos.

Com delicadeza e coragem, Contreras nos obriga a olhar para dentro: o que esperamos dos nossos filhos? O que projetamos neles? O quanto conseguimos enxergar além do que queremos ver?

Crocodilo é um mergulho breve, mas profundo, na anatomia do silêncio entre pais e filhos. E, ao contrário do título, não é sobre predadores — é sobre feridas. Sobre aquilo que fica depois do fim. Sobre a dor que, mesmo quando não nos engole, nos devora por dentro.

Ao trazer esse romance para abrir uma nova fase da coluna, o objetivo é claro: oferecer ao leitor não apenas boa literatura, mas encontros com o que mais nos torna humanos. Mesmo — e principalmente — quando isso dói.

 

Alessandra Macon


Anuncie com Jornal Noroeste
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