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Tratores, memórias e uma língua que carrega dores


Por: Alessandra Macon
Data: 08/05/2025
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Sábado de manhã, café passado e um livro que me acompanhou durante a semana: Uma breve história dos tratores em ucraniano. Nome curioso, eu sei. Mas antes de descartá-lo como exótico demais, me permita contar por que você deveria dar a ele uma chance.

A autora, Marina Lewycka, ucraniana nascida em um campo de refugiados na Alemanha e criada no Reino Unido, poderia muito bem ter escrito uma biografia densa. Mas escolheu outra rota.  Fez literatura. Das boas. Daquelas que misturam humor, política e sentimento — tudo com leveza, mas sem jamais ser rasa.

O romance começa com um senhor de quase noventa anos que decide se casar com uma mulher muito mais jovem. Até aí, nada tão incomum. Acontece que essa mulher é uma ucraniana exuberante, de salto alto e intenções duvidosas. E as filhas do velhinho, claro, ficam em polvorosa. O que poderia ser apenas uma comédia familiar se transforma numa poderosa reflexão sobre identidade, imigração e as cicatrizes de uma terra marcada pela guerra e pela fome.

Lewycka usa os “tratores” do título como uma espécie de alegoria. Sim, eles aparecem, e sim, há trechos técnicos sobre eles. O livro que o protagonista escreve sobre tratores torna-se um fio que liga gerações, traumas e silêncios. É impossível não rir. É impossível não pensar.

A literatura ucraniana, aliás, tem essa força: nasce da resistência. Sofreu com censuras, invasões e apagamentos. Ainda assim, floresceu. De nomes como Taras Shevchenko a autores contemporâneos, é uma literatura que pulsa com o desejo de existir, de contar histórias que o mundo tentou calar. E Marina Lewycka, mesmo escrevendo em inglês, carrega esse DNA em cada linha: o de não deixar o passado cair no esquecimento.

Se você está cansado de livros que se levam a sério demais, ou de histórias que esquecem de tocar o coração enquanto tentam impressionar a mente, dê uma chance a essa obra. Uma breve história dos tratores em ucraniano é, ao mesmo tempo, tragicômica e real. É sobre uma família disfuncional, mas é também sobre um país tentando costurar os próprios pedaços. E, no fim, é sobre nós — filhos de passados difíceis, tentando encontrar sentido no presente.

Boa leitura. E, se puder, leia com um café ao lado.

 

Alessandra Macon


Anuncie com Jornal Noroeste
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