Maurício de Sousa. “Marina, marota, Marina...” e “Francisco de Cabra”
As tirinhas da “Turma da Mônica” remetem ao final da década de 1950 e início da década de 1960, sendo que suas histórias marcam gerações e gerações. Mas, não é com finalidades cronológicas que escrevo este texto, mas nostálgicas.
Eu posso dizer que fui introduzido ao universo da leitura antes de saber ler, por meio dos gibis da Turma da Mônica. Prova disso é que até hoje possuo revistinhas dos anos 1990 e 1991, quando eu tinha apenas dois e três anos. A minha mãe me contava as histórias e eu as ouvia.
Depois que fui para a escola e aprendi a ler, a Turma da Mônica se tornou uma companhia inseparável, que ia comigo à escola (em especial nos intervalos) e ao banheiro da minha casa (tínhamos um cesto repleto de gibis). Como era gostoso ficar horas e horas lendo as histórias da Mônica, do Cebolinha, da Magali, do Cascão e do Chico Bento. Quantas risadas eu dei. Por mais clichê que possa soar o meu desabafo, ainda assim o farei: que triste saber que muitos trocaram os gibis por telas e redes sociais.
Para a minha felicidade, e plena nostalgia, a minha mãe preservou todos os gibis comprados desde 1990, de modo que hoje, se eu quiser voltar à infância, ou a uma pequena (mas significativa) parte dela, basta eu ir às caixas organizadoras e resgatar uma história.
1ª Nº 27. Janeiro de 1995. “Marina, Marota, Marina...”
Que bela surpresa é essa história. Trata-se da introdução de uma nova personagem, a artista/desenhista Marina. Marina, a exemplo da Mônica e da Magali, é filha do célebre Maurício de Sousa e reivindicava que também ela se tornasse uma personagem de quadrinhos. Mas, seu pai dizia que, no tempo certo, ela própria se criaria. Inconformada, Marina, por meio de seu “lápis mágico”, cria uma porta no estúdio do pai e vai parar no Bairro do Limoeiro. Mas, por que “lápis mágico” apareceu entre aspas? Porque era um lápis comum, mas que, vindo de fora dos quadrinhos, podia criar o que bem quisesse.

Marina saindo de uma porta
Ao cair no bairro do Cebolinha, ela logo se deparou com o garoto que tem dislalia e com o Cascão. Logo em seguida aparecem Franjinha, Nimbus e Do Contra. A garota, ao ver o que o Cebolinha tinha em mãos, reconheceu o padrão: tratava-se de um “plano infalível”, o de nº 1957, cujo objetivo era derrotar a “dona da rua”. Ao ver que o plano era fajuto e mal desenhado, ela se coloca a desenhar a Mônica como deveria ser e, então, surge a irritadiça Mônica com o Sansão, seu coelhinho. Roteiro pronto: a “dona da rua”, ao ver uma menina, a seu ver, bolando um plano para derrotá-la, enche-se de fúria e parte para cima com o seu coelhinho. Porém, Marina, por meio do lápis mágico, faz um escudo e a Mônica é derrotada.
Diante do cenário acima, o Cebolinha quer o lápis mágico, a Mônica entrega a rua para a novata (ainda que provisoriamente) e Franjinha, o cientista e um dos primeiros personagens da Turma da Mônica (junto com o Bidu), se apaixona pela garota.
Para quem gosta de escrever, esse enredo tem um gosto especial, pois, por meio do bom humor constante, recurso essencial para a escrita, Maurício de Sousa dá uma aula de como introduzir uma personagem. Apesar de Marina “brotar” no Bairro, através de uma porta, suas características centrais são descritas em detalhes: ela é uma artista inteligentíssima. Ao final de toda confusão, se ela não pode sair da bagunça através de uma porta, ela improvisa uma janela e volta aos estúdios do genitor. Para a sua surpresa, ao invés de uma bronca, ela ganha, dos pais, um presente: a sua inserção em definitivo no universo dos quadrinhos.
2ª Nº 301. Julho de 1998. “Francisco de Cabra”
Antes de mostrar o enredo do gibi escolhido, preciso contar duas histórias.
1ª Histórias do Chico Bento, devido aos seus “desvios” da norma culta, eram só permitidas de serem lidas na minha primeira escola, a Stella Maris, atual Santa Terezinha, em Paranavaí, quando os alunos estivessem na terceira série (atual quarto ano). Diziam que o modo de falar dos personagens poderia prejudicar a alfabetização. Mas, como a bibliotecária percebeu que eu tinha acesso às histórias em casa e que eu gostava de ler, fez uma concessão e pude ler as histórias do caipirinha antes do tempo recomendado.
2ª “Francisco di Cabra” é uma história que remete ao grande ator estadunidense Leonardo DiCaprio em sua atuação no “Titanic”. Quanto a este filme, minha mãe foi vê-lo no cinema, em 1998. Na época, não havia a telona na cidade que eu morava, Paranavaí, mas somente em Maringá, a 70 quilômetros de distância. Caravanas saíam para assistir ao que foi um fenômeno mundial. Quando minha mãe chegou em casa, já de madrugada, eu estava acordado e lhe perguntei, afoito: “Como foi o filme?” Todas essas memórias compõem a minha infância e o meu apreço por histórias, livros e filmes.
Que bela história é “Francisco di Cabra”. Há muita diversão e muita cultura. Muita diversão: Chico Bento, no início da história, ouve a sua namorada Rosinha fazendo elogios a um rapaz, mas, antes de serem para o namorado, eram para um terceiro, o que deixará o caipirinha irritado. Então ele entra na história e espanta as amigas de Rosinha, assustadas com a reação de Chico. O detalhe é que, por motivos óbvios, Leonardo DiCaprio não estava na Vila Abobrinha, mas era elogiado por meio de pôsteres que Rosinha e suas amigas tinham da estrela de “roliúdi”. Bravo com a reação do namorado, que chama o ator de “frangote”, Rosinha o espanta. É nesse momento que Chico dirá a si: “O qui esse excomungado tem ansim di tão diferente? Só pruque é magrinho, loiro di oio azur; nariz piquinininho...” E, ao seu olhar, conclui: “Porquera! Ansim é concorrença deslear”. É a partir desse momento que o garoto mudará o traje, o cabelo e até sorriso, passando a se declarar “Francisco di Cabra”.

Chico Bento transformando-se em “Francisco de Cabra”, por meio de uma tinta guache amarela e uma lambida da Mimosa, a vaca de estimação
Quanto à muita cultura, a obra em si é uma paródia de “Titanic” e da atuação de Leonardo DiCaprio. Mas, a história, de apenas quatorze páginas, vai além, brincando com filmes recém-estrelados pelo grande ator. São esses os filmes: “O homem da máscara de ferro” (1998) e “Romeu e Julieta” (1996). Quanto ao “Romeu e Julieta”, trata-se de uma das adaptações mais diferentes que já assisti, trazendo o cenário de Shakespeare para o final do século XX.
Novamente, para quem gosta de escrever e que busca estimular a imaginação, a história em questão é genial. Na época, lembro-me de também ter assistido aos filmes indicados nos quadrinhos. Mesmo hoje, décadas após as mencionadas películas e a história de Chico Bento, eu volto àqueles enredos com prazer, ampliando-me a cultura e divertindo-me, sendo esses os grandes objetivos de Maurício de Sousa. Por tudo isso, obrigado Maurício. E, também, obrigado mãe, por ter me introduzido a esses universos mágicos.