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O menino e o mundo


Por: Dr. Felipe Figueira
Data: 05/10/2023
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Em 1957, Rubens tinha quinze anos. Ele trabalhava de office-boy em um escritório de contabilidade no centro de São Paulo. Na hora do almoço, Rubens tinha por hábito estudar, ler jornais que o serviço assinava e também livros que ele mesmo adquiria. Em um desses momentos de estudo, entrou um senhor de aproximadamente sessenta anos e lhe perguntou:

- Você gosta de estudar?

De chofre, Rubens respondeu:

- Não.

- Não? Por quê?

- Eu não gosto de estudar, mas é uma necessidade.

Apesar da conversa diferente, que poderia até ser chamada de estranha, o senhor gostou do rapaz. Poucas pessoas dariam uma resposta tão sincera e sagaz diante de uma pergunta simples. Por causa disso, o senhor, que se chamava Domingos Martiniano Lauletta, perguntou se o menino gostaria de melhorar de vida, e que, se sim, que fosse à tarde conversar com ele. Como pretexto para o encontro, disse que ele, office-boy, deveria ir à sua empresa para levar os livros de contabilidade que ele acabara de trazer.

Por volta das duas e meia, Rubens foi ao seu patrão e disse que deveria levar os livros já conferidos para o Seu Domingos. E assim se deu. Às três Rubens já estava na empresa daquele senhor da hora do almoço. Da sala de espera era possível ver a sala de Seu Domingos. O homem, ao observar que o menino chegou, disse:

- Espere um momento que já lhe atenderei.

Enquanto isso, o senhor abriu um jornal e começou a ler. Folheava as páginas com toda morosidade possível. Enquanto lia, folgadamente colocava os pés sobre a mesa. De tempos em tempos, olhava de canto de olho para a sala de espera e os olhares entre eles se cruzavam.             O senhor deu um “chá de espera” em Rubens. Nessa espera, o rapaz foi se diminuindo em um sentimento de pequenez absoluta. A poltrona estava maior do que Rubens.

Depois de duas horas de espera, o senhor Domingos Martiniano Lauletta resolveu chamar o garoto.

- Você ainda está aí? Eu me esqueci de te chamar. Entre.

Depois de ver que o menino estava acomodado em uma poltrona em frente à sua, o senhor começou a entrevista.

- Posso te perguntar algumas coisas?

- Pode.

- Você reparou no quadro na sala de espera? Que quadro era? E como era o tapete?

Rubens pensou: “Eu não sei nem qual é a cor da minha meia”. Diante do silêncio, o homem continuou:

- Você poderia ter aprendido e aproveitado aquele lugar. Que pena que você desperdiçou a oportunidade. O quadro que você poderia ter visto era de bandeiras. É de Alfredo Volpi. O tapete era persa. A mesa, de mogno. Mas, eu gostei de você e vou te empregar. Quando você pode começar a trabalhar?

- Logo.

- Mais uma coisa: daqui para frente, entenda que a vida é uma escola. Leia tudo o que puder, veja tudo que conseguir e pergunte sempre.

Dias após essa diferente entrevista de emprego, Rubens começou a trabalhar na nova firma, uma empresa que importava e exportava ferro e aço. Então, começou a reparar mais na vida e no próprio patrão, que todo dia fazia a barba em barbeiro, uma barba cerrada, vestia-se de terno inglês e sapato italiano e chegava ao trabalho em um magnífico Cadillac do ano, também conhecido como rabo de peixe.

Dr. Felipe Figueira

Felipe Figueira é doutor em Educação e pós-doutor em História. Professor de História e Pedagogia no Instituto Federal do Paraná (IFPR) Campus Paranavaí.


Anuncie com Jornal Noroeste
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