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Futuro. Futuro? Uma resenha para “O Livro de Eli”


Por: Dr. Felipe Figueira
Data: 04/09/2025
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          Qual o futuro das obras físicas como livros e filmes? É cada vez maior a quantidade de livros digitais e plataformas para assistir a filmes, o que tem diminuído, por exemplo, a impressão de livros. Quando uma pessoa entrega um panfleto em um semáforo é comum quem diga: “Não gosto de papel”. Tudo bem que propagandas não são tão agradáveis e logo vão para o lixo, mas a fala acima é um sintoma de que as impressões estão a diminuir.

          Outra pergunta: livros são lidos nos computadores na mesma frequência em que são lidos em bibliotecas? Minha impressão é que a atenção no primeiro caso seja dividida com vários objetos, com redes sociais, enquanto que a obra impressa possui o poder de canalizar a atenção. Em síntese: a minha impressão é que estamos cada vez mais reféns de uma poderosa dispersão de informações.

          Algumas vantagens do livro digital se comparado com o físico são o preço e a facilidade de circulação. Além disso, os livros digitais podem ser atualizados com mais facilidade. Às vezes basta diagramar o trabalho que, pronto, estará atualizado, sem precisar passar pelo enorme processo de impressão.

          Não há que se negar, portanto, que existam vantagens nos livros digitais. Porém, e aqui começo uma série de “poréns”, a dispersão de informações e a falta de atenção me soam como preocupantes. Sou professor. Sei que quando indico um livro físico para leitura este geralmente vem lido; já quando disponibilizo um arquivo eletrônico, a dispersão impera. No meu início de docente de cursos superiores, em 2013 e 2014, eu costumava passar apostilas impressas para os alunos. Eram textos e mais textos que eu via anotados. Hoje, 2025, passados alguns anos, não encaminho mais apostilas e tudo é digital. O índice de leitura diminuiu, eu percebo isso pela capacidade argumentativa.

          Meu amigo José de Arimateia Tavares (“Teia”) é proprietário de uma poderosa locadora, a Myra Video, em Paranavaí, que hoje se chama “Clube do Filme de Paranavaí”. Ele tem mais de vinte mil filmes, que vão desde clássicos russos até o expressionismo alemão e o Cinema Novo brasileiro.

- Está difícil encontrar algum lugar para deixar esses filmes. Núcleos de Educação e escolas não têm se animado. Vou levar uns três mil para casa e o restante vai para o reciclado.

          Faltariam páginas para eu falar sobre esse assunto, que ainda comportariam a biblioteca do pai do meu cunhado, o jurista Edson Jacinto da Silva, e do grande poeta paranavaiense Sérgio Rubens Sossélla. No caso do pai do meu cunhado, a biblioteca foi quase toda desfeita, sendo que eu herdei alguns exemplares de clássicos do direito. No caso de Sossélla, a “Vila Rosa Maria” resiste com seus mais vinte mil livros, mas poucos a visitam.

          Diante desse cenário que me parece assustador, apocalíptico, meu amigo Arimateia me indicou o filme “O Livro de Eli”. A película é interessantíssima, pois o livro de Eli é uma Bíblia do Rei James. Diga-se de passagem, o filme é pós-apocalíptico e aquela bíblia é o único exemplar que sobreviveu às guerras. A missão de Eli, ao longo de trinta anos, é a de caminhar para o oeste para levar o livro sagrado a um lugar seguro.

          Durante o caminho para o oeste, Eli é alvo de uma série de emboscadas, sendo a mais grave e foco do filme, com Carnegie, um homem que chefiava um vilarejo e que tinha por maior desejo conseguir o livro que Eli carregava. Para tanto, Carnegie chega a sacrificar muitas pessoas e, para a sua tragédia, quando ele consegue a obra, ela estava em braile. Eli perdeu a bíblia e Carnegie não conseguiu lê-lo. Tudo por nada?

          Na película pós-apocalíptica, quase ninguém sabe ler. Nas palavras do diretor, Allen Hughes: “Acho que tudo está arruinado, o mundo, as estradas, a atmosfera. É maduro e apodrecido”. O filme, enfim, transmite um ar sufocado e cinzento. Em certo momento, Eli comenta como o mundo era antes do apocalipse (que se deu por guerra), sendo que as pessoas não davam valor ao que tinham, mesmo que fossem coisas preciosas.

          Mas, e aqui está uma das belezas do filme, Eli era um ávido leitor e por trinta anos leu todos os dias a bíblia. Depois de perder o livro sagrado para Carnegie, ele continuou, apesar de tudo, a caminhada para o oeste, até que chegou ao lugar almejado. Durante a recepção de um ancião, o diálogo é interessante. Eli começa a falar e é prontamente respondido pelo líder do lugar:

- Parece um museu.

- Não, é bem mais que isso. É aqui que nós vamos recomeçar. Nossa impressora logo estará funcionando. Vamos ensinar às pessoas sobre o mundo que perderam e ajudá-las a reconstruí-lo. Olhe, Shakespeare, a Britânica, faltam poucos livros. Uma coleção de belos discos de Mozart e Wagner em perfeitas condições. Mas nenhuma bíblia. Posso saber em que estado está?

- Está bem surrada mas dará pro gasto.

          Então Eli pede muitas folhas e passa a ditar a bíblia ao ancião. Não tenho receio de ter contado as partes finais do filme, porque ele é um trabalho que supera as palavras. Vale a pena ser visto enquanto uma experiência existencial.

          Para retomar o tema inicial deste texto, ficam as questões: chegará um ponto que livros se tornarão uma raridade? Chegará um ponto que daremos valor a cercas coisas que foram desprezadas (no caso do filme, uma obra impressa)? E será que existirão pessoas tão interessadas em cultura a ponto de almejarem guardá-la para a posteridade? No caso do ancião, ele tinha cópias de Wagner e Mozart, cópia do Alcorão, entre outros itens valiosos. Será que o livro de Eli, aqui de forma ainda mais metafórica, resistirá às inúmeras guerras que estão por vir?

Quem se deliciava com uma fita de videogame emprestada e hoje não joga nada no computador? Quem acha preocupante a infância ser encurtada e cada vez mais as crianças serem trancafiadas? Quem rabiscava livros e apostilas e hoje não lê mais e só sabe escrever com figurinhas e abreviações? Todas essas situações são pequenos apocalipses. O mundo não precisa acabar por completo, basta que pequenas partes se acabem. Quem pode dizer que a felicidade aumentou? Meu discurso não é no sentido de negacionismo científico, mas no sentido de despertar imaginações.

          Sei que o que estou dizendo pode soar extremo e até incomodar o bom senso, mas não custa nada forçar a imaginação do leitor. Com a ampliação da tecnologia, a humanidade será mais dependente ou mais independente? Ou uma situação não nega a outra? O filme termina com uma mensagem positiva, quiçá seja esta mesma mensagem que eu vislumbro.

 

O Livro de Eli (no original em inglês: “The Book of Eli”)

Ano: 2010

Direção: Albert e Allen Hughes

Elenco:  Denzel Washington, Mila Kunis, Gary Oldman.

Gênero: Ficção científica

 

 

Dr. Felipe Figueira

Felipe Figueira é doutor em Educação e pós-doutor em História. Professor de História e Pedagogia no Instituto Federal do Paraná (IFPR) Campus Paranavaí.


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