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Parte 1 – introdução à obra “A Divina Comédia”


Por: Dr. Felipe Figueira
Data: 09/05/2024
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Introdução à introdução

         Uma das obras mais ilustres e festejadas da história da literatura, e com razão, é “A Divina Comédia”, de Dante Alighieri. Eu próprio, inspirado por essa obra, escrevi a minha “A Divina Comédia” (ainda não publicada), com foco na primeira parte, o “Inferno”; procedimento semelhante fiz com “Dom Quixote”, de Miguel de Cervantes, criando eu próprio o meu “Dom Quixote” (este publicado em 2020).

Dante Alighieri (1265-1321)

Contudo, a obra de Dante não é das mais simples de serem lidas e é preciso que a pessoa conheça detalhes tanto biográficos quanto da concepção da principal obra do poeta florentino para que a leitura possa ser bem aproveitada. Pensando nisso, e tendo encontrado a melhor maneira de introduzir o leitor a esse rico e belíssimo universo, resolvi transcrever a nota biográfica presente no “Paraíso”, pois ela, em termos simples e objetivos, abre a mente do leitor para o essencial. Não comentarei a referida nota, apenas acrescentarei imagens em seu decorrer, para que, além da letra, o leitor possa se valer do visual. Antes, porém, é preciso fazer uma datação acerca de quando foram escritas as três partes da obra:

        Inferno: 1304-1308

        Purgatório: 1308-1313

        Paraíso: 1314-1320

Depois desta Introdução se seguirão três comentários ao livro de Dante. Em meus textos me valerei em especial da obra poeta, mas, também, me apoiarei nos desenhos feitos pelo pintor e ilustrador Gustave Doré (1832-1883) e na fortuna crítica.

Nota biográfica*

Dante Alighieri nasceu em Florença em 1265, no seio de uma importante família local. Conforme o costume da época, aos 12 anos de idade teve seu casamento ajustado com Gemma Donati, o qual se realizou quando ele, após a morte de seu pai, completou 20 anos. Dela teve dois filhos homens: Pietro, que deixou muitas notícias importantes sobre a vida do pai e comentários sobre sua obra, e Jacopo; além de uma filha, Antonia, que se recolheu ao convento sob o nome de Beatrice.

Mas o acontecimento que iria determinar, além de sua vida amorosa, a sua principal obra, a Commedia, à qual os pósteros acrescentaram a adjetivação de “La Divina”, foi o seu encontro, aos nove anos, com Beatrice Portinari, então com oito, que, como ele conta na Vita Nuova, fez que desde então o “Amor governasse a sua alma”. Os dois só se reencontraram casualmente nove anos depois na Ponte Vecchio sobre o Arno, em 1º de maio de 1283, quando ela o “saudou pela primeira vez”.

Ponte Vecchio, em Florença

Beatriz morreria sete anos depois, deixando Dante inconsolável. Ele se dedicou então ao estudo da filosofia e, em sua primeira obra poética, Vita Nuova, à exaltação da mulher amada, que mais tarde, na Divina Comédia, iria elevar ao “Paraíso”.

Na época de Dante, enquanto o resto da Europa ainda não tinha saído completamente da Idade Média, Florença já era uma cidade-Estado organizada, com governo democrático independente, embora vez por outra submetida a intervenções das duas forças que concorriam em toda a região: o papado, que tinha um vasto poder temporal com sede em Roma, e os restos do Sacro Império Romano, que sucedeu à queda do Império Romano.

O governo da cidade era exercido por representantes eleitos das “guildas”, ou seja, corporações de operários, artesãos etc. Dante inscreveu-se na guilda dos médicos e farmacêuticos e participou ativamente da política, tendo sido eleito em 1300 para o posto de um dos seis priores do Conselho. Da já antiga divisão entre guelfos (partidários do papa) e gibelinos (do imperador), os guelfos, que detinham a quase totalidade do poder em Florença, subdividiram-se em “brancos”, que se opunham à interferência do papado, e “negros”, que defendiam o apoio ao papa contra as ambições do imperador.

O papa na época era Bonifácio VIII, de quem Dante era inimigo e que, com o pretexto de dirimir a luta entre as duas facções, chama Carlos de Valois, irmão de Felipe o Belo, rei da França, para entrar em Florença como pacificador. Na realidade, ele ajudou os “negros” a tomarem posse da cidade, condenando muitos “brancos” ao exílio. Dante, acusado de corrupção e condenado a pagar uma multa, a que se recusou, também foi exilado.

Papa Bonifácio VIII, o mais odiado de Dante

No exílio, Dante negou-se a participar da aliança feita entre os “brancos” expulsos e os antigos gibelinos. Teve primeiro a acolhida de Cangrande della Scala em Verona, e depois das cidades de Bolonha, Pádua e, por fim, Ravenna. Nesse tempo iniciou a escrita da Commedia e completou os tratados Convivio, De Vulgari, Eloquentia e De Monarchia, além das Epistole, conjunto de cartas políticas e doutrinais. Estudou filosofia, teologia e física, e fez amizade com Giotto e diversos pensadores. Foi sempre muito honrado e festejado, mas nunca deixou de sofrer a mágoa de não poder voltar a Florença.

A Comédia é o relato de viagem que Dante empreende para visitar os três reinos do outro mundo: o Inferno, o Purgatório e o Paraíso. O poema é dividido em três livros, cada um formado de 33 cantos (com exceção do Inferno, com 34, já que o primeiro canto serve de introdução ao conjunto do poema), escritos com tercetos decassílabos rimados de modo alternado e encadeado, segundo o esquema ABA BCB CDC DED, e assim por diante. Essa estrutura métrica, conhecida como terza rima, terzina dantesca ou rima encadeada, foi originalmente criada por Dante para a Divina Comédia. Além disso, vale notar que o esquema métrico e o número de cantos correspondem a múltiplos de três, número que simboliza a santíssima Trindade da religião cristã.

Outra importante inovação da Comédia foi a escolha da língua. Numa época em que todas as grandes obras eram escritas em latim, Dante optou por escrever na língua vulgar, a língua falada nas ruas de Florença, o toscano. E não só a usou, como a enriqueceu e reinventou, ajudando a forjar a língua italiana, da qual, não por acaso, é considerado o pai e fundador.

Após a morte do Papa Bonifácio VIII, seu sucessor chamou à Itália, em 1310, o novo imperador Henrique VII, o que despertou uma última esperança de Dante. Mas o papa acabou traindo o seu compromisso, e a missão de Henrique VII falhou. Os “negros” tomaram posse da cidade e os “brancos” foram definitivamente derrotados. E Dante, que julgava que a fama e a honra conquistadas com a enorme repercussão de sua Comédia fossem abrir-lhe as portas de sua cidade, viu morrerem suas últimas esperanças.

Permaneceu em Ravenna, onde, logo após terminar o “Paraíso” e sem poder fazer a desejada revisão de toda a Comédia, faleceu em 1321. Foi sepultado com grandes honrarias, e lá está até hoje a sua sepultura.

Tumba simbólica de Dante em Florença, na Igreja Santa Croce (Santa Cruz)

 

Sepultura de Dante em Ravenna 

* A referida nota encontra-se no “Paraíso”, cuja referência segue abaixo.

Referência

Dante Alighieri. A Divina Comédia – Paraíso. Trad. e notas de Italo Eugenio Mauro. São Paulo: Editora 34, 2019.

Dr. Felipe Figueira

Felipe Figueira é doutor em Educação e pós-doutor em História. Professor de História e Pedagogia no Instituto Federal do Paraná (IFPR) Campus Paranavaí.


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