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Mudanças


Por: Dr. Felipe Figueira
Data: 31/07/2025
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         Em um passado não tão distante, as instituições básicas de conhecimento eram a escola e a biblioteca, e a pessoa que representava por excelência o saber era o professor. Era comum alguém dizer: “pergunte ao professor”, e caso este não soubesse, era preciso esperar pela resposta. E assim o aluno levava ao docente uma pergunta de um familiar, de um amigo, de um vizinho. Esse tipo de situação, no entanto, hoje raramente acontece, e eu posso testemunhar que comigo não lembro quando foi a última vez que aconteceu.

          Se em um passado recente a escola era o centro e o polo irradiador do conhecimento, hoje ela é apenas um dos polos, e provavelmente não o principal. Apesar disso, a escola ainda segue sendo fundamental para a formação e a inclusão. Por quê? Porque a escola, além do aspecto essencial do conhecimento de qualidade e ordenado, ela tem todo o aspecto de convivência comunitária.

          A escola mudou? A escola foi mudada? Provavelmente ela foi mudada. O mundo é tão intenso, tão tecnologicamente intenso, que não deixaria a escola quieta em um canto, até porque quem trabalha com educação também vive no mundo. E o mundo é cada vez mais intenso no que diz respeito a mudanças: celulares de “última geração” (expressão da moda), que são mais do que computadores, notebooks com programas capazes de criarem mundos, sites e portais de notícias que sabem dos nossos gostos antes mesmos de sentirmos o gosto do gosto, etc. Como poderia tudo isso não entrar e atacar de forma avassaladora a educação?

          Os robôs são copartícipes do nosso cotidiano. Quem nunca acessou um site e conversou com um robô, com um produto feito pela inteligência artificial? A indústria automobilística também é cheia de robôs, e muitas cirurgias hoje são feitas também sob o auxílio impecável de robôs. Por mais que por trás de um robô esteja um ser humano, uma coisa não descarta a outra. Na verdade, robôs têm descartado diversas pessoas. Pobre da formação que não passar perto de tais questões, corre o risco de tornar seus alunos fadados ao desemprego, a serem ultrapassados logo na linha de largada.

          É preciso ter em vista a seguinte dimensão: antes, tudo apontava para o professor, hoje, não é mais assim, há uma deusa chamada internet. Esta deusa nos responde sobre todos os assuntos, sendo que aqui numerá-los seria reduzi-los.

          Ainda para ficar na esfera das vantagens das mudanças, o mundo virtual permitiu mais aprendizagem, mais interação entre as pessoas e mais transgressão das fronteiras entre os saberes[1]. Mais aprendizagem: com uma pesquisa apenas é possível encontrar um universo de saberes feito por excelentes profissionais. Mais interação entre as pessoas: alguém do Paraná pode conversar em tempo real com alguém de Samoa. E mais transgressão das fronteiras: uma ciência cada vez menos pode resistir ao isolamento, se é que algum dia isso foi possível, ao menos no que dizia respeito às pesquisas avançadas.

          Acontece que a internet também é um pântano, e neste ambiente todo tipo de voz pode surgir e ecoar, como as já famosas fake news. Se por um lado a internet é um manancial de informações positivas, por outro também é um manancial de desinformações. Como separar o joio do trigo? Esta resposta não é de fácil solução nem no nível teórico e nem no nível prático, porque, pelo menos em matéria de Brasil, a carência formativa ainda é grande.

          Enfim, e para reafirmar: o problema da carência formativa é enorme. Para resolvê-lo – de forma prática – o caminho não é um adeus às escolas porque há a deusa internet à disposição de todos. A escola e o professor, atentos a um mundo intenso tecnologicamente, cada vez mais têm de ser rigorosos e inclusivos. Rigorosos porque o conhecimento é uma árdua tarefa, não é construído apenas por meio de um dia ou de meia dúzia de leituras; e inclusivos porque é preciso que a educação chegue a todos, afinal, a desinformação facilmente chega a todos.

          Para Hannah Arendt, a fonte da autoridade docente é o conhecimento, e a educação é conservadora. É possível, apesar de Arendt ter escrito tais ideias há mais de meio século, que seus pensamentos resistam ao tempo. A autoridade docente não se esvai por causa da deusa internet, mas como esta pode ser um pântano desordenado, a referida autoridade não é destruída por tal deusa. E a educação segue sendo conservadora, pois ela permanece enquanto fonte de transmissão de saberes, só que de forma ativa, crítica. Todavia, pobre do professor que não se atentar aos novos mundos que a cada dia inundam a sala de aula, ele não só terá problema de comunicação, mas também em relação à tão temida indisciplina, que se manifestará ainda mais forte.

Referências

Attico Chassot. Das disciplinas à indisciplina. Curitiba: Appris, 2016.



[1] Tais ideias encontram respaldo, também, no livro “Das disciplinas à indisciplina”, de Attico Chassot (2016). Indisciplina aqui é entendida enquanto uma transgressão das fronteiras da disciplinarização dos saberes.

Dr. Felipe Figueira

Felipe Figueira é doutor em Educação e pós-doutor em História. Professor de História e Pedagogia no Instituto Federal do Paraná (IFPR) Campus Paranavaí.


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