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Filme “O Poço” (2019)


Por: Dr. Felipe Figueira
Data: 29/08/2024
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Assisti ao filme “O Poço”, de Galder Gaztelu-Urrutia, duas vezes. Na primeira, fiquei impactado com a forma com que a animalidade e o egoísmo são tratados. Porém, na segunda, precisei fazer pausas, pois a maldade humana ganhou força por meio dos diversos níveis do poço que os personagens se encontram, a começar por Goreng (Iván Massagué), o protagonista, um amante do livro “Dom Quixote”, de Miguel de Cervantes. 

A ideia do filme é simples: uma prisão em formato de poço que possui mais de trezentos níveis, sendo que quanto mais fundo pior é a pena. E qual a pena dessa prisão heterodoxa? Quem está na parte superior come à vontade por um tempo determinado, mas, conforme os níveis descem, nada sobra, ou, pior do que isso, quem está nas posições superiores pisa na comida, cospe, etc. E por que essa é uma prisão heterodoxa? Porque muitos dizem que foram para lá voluntariamente, a exemplo de Goreng, que queria parar de fumar e ler o icônico livro sobre o cavaleiro andante.

Paradoxalmente, a ideia do filme é complexa: o poço serve de experimento, de lente de aumento para o que é ou para o que pode se tornar o ser humano. Alguém poderia questionar: “Por que quem está nos andares superiores não come o suficiente e deixa para os demais a sua porção diária?” Uma das personagens, Imoguiri (Antonia San Juan), tenta levar esse plano adiante, mas, quem está em cima não a ouve e quem está embaixo pouco se importa: o farelo diário é o que basta. Nas palavras do início do filme: “Há três tipos de pessoas. As de cima, as de baixo e as que caem.”

Como o poço possui diversos graus, cada pessoa troca de nível a cada mês. Do nível 6 a pessoa pode ir para o 171 e ter que devorar o parceiro de cela para sobreviver. “O Poço” é um filme que, por ter um caráter de estudo do ser humano, se assemelha à obra de Ingmar Bergman “O ovo da serpente” (1977), cuja história se passa na Alemanha do Entre Guerras, especialmente em 1923. Em um trecho desta película vê-se um “experimento de resistência” em que uma mulher de 30 anos, “inteligente e completamente normal” (palavras do filme) é colocada a cuidar de um bebê de quatro meses com uma lesão cerebral que chorava dia e noite. O resultado dessa experiência? Após 12 horas, nada de anormal ocorreu; mas, depois de 24, ela já estava afetada e a sua compaixão foi destruída, dando lugar à depressão; após 30 horas, ela não suportou mais a criança e a matou. E o que ocorre ao longo de “O Poço”? Tudo o que de pior pode aflorar no ser humano.

O fotógrafo Sebastião Salgado (2014, p. 93), que já viu o ser humano nas piores condições possíveis, afirmou: “Ninguém tem o direito de se proteger das tragédias de seu tempo, porque somos todos responsáveis, de certo modo, pelo que acontece na sociedade em que escolhemos viver”. E o tragediógrafo Sófocles (2010, p. 104), em “Édipo Rei”, sentenciou: “Guardemo-nos de chamar um homem feliz, antes que ele tenha transposto o termo de sua vida sem ter conhecido a tristeza.” É porque tenho em alta conta esses princípios que indico “O Poço”, que não serve como filme de entretenimento, mas, como um alerta para o ser humano, para que lute contra o mal exterior e, sobretudo, contra o mal interior.

 

Onde assistir? Netflix. Tempo de duração: 1h34min. Classificação indicativa: 16 anos.

Dr. Felipe Figueira

Felipe Figueira é doutor em Educação e pós-doutor em História. Professor de História e Pedagogia no Instituto Federal do Paraná (IFPR) Campus Paranavaí.


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