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Labirintos da formação


Por: Dr. Felipe Figueira
Data: 19/10/2023
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Há diversos tipos de alunos, assim como há diversos tipos de professores. Dentre esses tipos de alunos há aqueles que se encontram encarcerados. Boa parte dos jovens que recebeu medida restritiva de liberdade vem de família pobre ou miserável. Por incrível que pareça, em pleno século XXI, ainda há muitas pessoas analfabetas ou com uma escolaridade insignificante. Dentre os jovens encarcerados, muitos sequer possuem o ensino fundamental completo, e aqui estou falando de adolescentes de dezessete anos que não chegaram a concluir o quinto ano. Logo se vê que há tipos e tipos de alunos, logo, também tipos e tipos de professores.

Há professores que trabalham com a educação superior, outros com a educação básica. No que diz respeito à educação básica, há professores que ensinam alunos de alta renda, outros que ensinam alunos de baixa renda e alguns que ensinam pessoas encarceradas. As realidades escolares são múltiplas, o que faz com que a docência seja múltipla também. Como falar uma mesma linguagem para públicos tão distintos? É preciso ter uma linguagem-base, do contrário não há um consenso necessário, todavia, homogeneizar é tolher as diferenças.

Que formação de professores dá conta de uma realidade tão multifacetada? Que formação de professores dá conta de preparar um professor para trabalhar em um ambiente prisional cujas experiências em laboratório, por exemplo, são quase inexistentes? E que formação docente dá conta de preparar o futuro profissional para lecionar para grupos com um ou dois alunos? No caso de um professor de Química, disciplina do ensino médio, o profissional lecionará muitas vezes para um ou dois alunos, pois a maioria deles sequer possui o ensino fundamental. Isso é tão complexo e tão longe do cotidiano formativo contemplado pelas universidades que chega a se constituir em um mundo à parte.

Dia 19 de maio de 2020, em meio à quarentena de Covid-19, fui ao Centro de Socioeducação (CENSE) de Paranavaí. Um grupo de quatorze adolescentes estava em aula. No entanto, aulas a distância, já que os professores também estavam de quarentena. A pedagoga responsável tinha que se desdobrar em quatro para dar conta de atender os alunos (em quatro porque eram quatro celas-sala).

Eu sei que esse período de isolamento social não foi fácil para ninguém, porém, as dificuldades foram acentuadas para o público com privação de liberdade. Nesse sentido, a direção do CENSE pediu para eu realizar atividades com os adolescentes. De imediato aceitei, pois gosto de trabalhar com esse público, por dois motivos em especial: primeiro, são jovens em regra pobres, miseráveis, e que não tiveram acesso a uma boa educação (e não é a função de um professor levar cultura a todos?); e segundo, os adolescentes são atenciosos e participativos (dão valor a quem se dispõe a compartilhar ideias e um pouco de tempo).

Há muitos estigmas sociais, talvez inevitáveis, mas que precisam ser enfrentados por uma formação de professores mais próxima da vida em suas múltiplas realidades. É preciso entrar nesse problema, verdadeiro labirinto, tendo em vista que o fio de Ariadne é formado pela junção do conhecimento com a responsabilidade para com o mundo. Como alguém pode se considerar responsável pelo mundo quando não o compreende, mesmo que minimamente, em seus múltiplos labirintos? Eis questões e mais questões para serem pensadas por quem se envolve com a educação.

Dr. Felipe Figueira

Felipe Figueira é doutor em Educação e pós-doutor em História. Professor de História e Pedagogia no Instituto Federal do Paraná (IFPR) Campus Paranavaí.


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