O Cristão e as guerras
A Guerra do Iraque (19/03/2003) deu início à primeira guerra oficial do século XXI, para vergonha da humanidade. Parece que não aprendemos nada com as guerras do século XX, que foram muitas. Vejamos algumas delas: Primeira Guerra Mundial (1914-18); Guerra Civil Espanhola (1936-39); Segunda Guerra Mundial (1939-45); Guerra da Indochina (1946-54); Guerra da Coreia (1950-53); Guerra do Vietnã (1956-75); Guerra dos Seis Dias (1967); Guerra do Camboja (1970-75); Guerra entre Irã e Iraque (1980-88); Guerra das Malvinas (1982); Guerra do Golfo (1991). Diante de tudo isso, precisamos responder a duas perguntas: O que a Bíblia nos diz sobre a guerra? Qual a atitude dos cristãos em relação à guerra no decorrer da história?
Primeiramente, a Bíblia nos apresenta duas ênfases distintas com respeito à guerra. A primeira ênfase é o apoio ao conflito armado, principalmente no período do Velho Testamento. Textos como Provérbios 24.6 demonstram muito bem essa ênfase: “Com medida de prudência farás a guerra; na multidão dos conselheiros está a vitória”. Em outros, Deus mesmo é comparado a um guerreiro, como Êxodo 15.3: “O Senhor é homem de guerra...” e 1 Samuel 17.47: “...do Senhor é a guerra”.
A segunda ênfase é o pacifismo, ou seja, a ausência de conflitos armados e a prosperidade em todos os aspectos. Nos Salmos de Davi já aparece essa tendência: Salmo 68.30: “Dispersa os povos que se comprazem na guerra”; Salmo 120.7: “Sou pela paz; quando, porém, eu falo, eles teimam pela guerra”. Na literatura profética, essa ênfase toma força: Isaías 2.4: “Ele julgará entre os povos e corrigirá muitas nações; estas converterão as suas espadas em relhas de arados e suas lanças em podadeiras; uma nação não levantará a espada contra outra nação, nem aprenderão mais a guerra”. Contudo, em Jesus Cristo, o pacifismo aparece com toda a intensidade. No Sermão do Monte, sua ética é centrada em três pilares: amor, tolerância e não retaliação: “Bem-aventurados os pacificadores, porque serão chamados filhos de Deus” (Mateus 5.9). “Ouvistes o que foi dito: olho por olho, dente por dente. Eu, porém, vos digo: não resistais ao perverso; mas a qualquer que te ferir na face direita, volta-lhe também a outra” (Mateus 5.38,39). “Ouvistes o que foi dito: amarás o teu próximo e odiarás o teu inimigo. Eu, porém, vos digo: amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem” (Mateus 5.43,44).
Qual tem sido a atitude dos cristãos em relação à guerra no decorrer dos séculos? Há basicamente três concepções quanto ao envolvimento dos cristãos em guerras. Primeira, há o pacifismo. Foi a atitude predominante nos três primeiros séculos d.C. (até aproximadamente 313 d.C.). Não há evidências históricas de cristãos no exército romano antes de 170 d.C. Quando a carreira militar passou a aceitar cristãos, eles somente ingressaram mediante a promessa de não derramarem sangue. Contudo, quando o imperador Constantino aderiu à fé cristã, cristianizou o Império Romano, passando o cristianismo a ser a religião oficial do império. A partir daí, começaram a haver pressões para os cristãos ingressarem no exército. Com a invasão dos bárbaros (350 – 470 d.C.), ficou difícil manter a atitude pacifista.
A segunda concepção é a guerra justa. Foi criada por Agostinho (354 d.C.). A guerra será legítima quando voltada para manter a justiça e restabelecer a paz. Deve ser empreendida pelo governante e caracteriza-se por: uma atitude de amor pelo inimigo, promessas feitas aos oponentes precisavam ser cumpridas, os não combatentes deveriam ser respeitados, não haver massacres, pilhagens e destruição. Esta tem sido a posição mais adotada na maior parte das tradições cristãs.
A terceira concepção é a guerra santa ou cruzada. Surgiram no período medieval (1095 a 1291 d.C.) com a finalidade de retomar a posse de Jerusalém e da Palestina do domínio muçulmano. As “Cruzadas” eram guerras em Nome de Deus, onde se legitimou a violência em nome da religião institucional. Mas a “guerra santa” descambou para a intolerância e violência até entre grupos cristãos. O grande teólogo Tomás de Aquino escreveu que: “A guerra é uma condição necessária da sociedade”.
A Guerra em nossos dias
A guerra em nossos dias tem sido uma variação dessas três concepções: o pacifismo, a guerra justa e a Cruzada. Martin Luther King (EUA) e Gandhi (Índia) foram defensores e adeptos do pacifismo. Ambos lutaram com exemplos e palavras, contra seus opositores. A “Jihad” islâmica é um bom exemplo de “guerra santa”, perpetrada contra os cristãos e o mundo ocidental. Quanto à guerra justa, podemos elencar o conflito entre judeus e palestinos, os Estados Unidos e o terrorismo internacional.
Contudo, há algumas questões e reflexões gerais com respeito ao envolvimento cristão nas guerras que precisamos pontuar. Primeiro, será que há algo que justifique uma guerra? Na geopolítica podemos encontrar algumas justificativas, como: defesa da soberania nacional, invasões de territórios, ataques terroristas, jogos de poder, dentre outros. Mas não será a guerra o testemunho incontestável da sombria natureza pecaminosa do homem? A mais nefasta, vergonhosa e cruel face da humanidade? Por isso, o nosso chamado como cristãos é para promover a paz e nos empenharmos em alcançá-la. Contudo, se estivermos imbuídos na devida vocação de promover e manter a paz por meio da espada, penso que não devemos nos eximir de utilizá-la dentro de seu escopo de ação e propósitos lícitos. Mas, não obstante, as questões da guerra serão sempre um dilema para a consciência cristã, porque, apesar de proclamar o amor, o perdão, a tolerância e a solidariedade, também proclama a justiça, a liberdade e a segurança.
Concluo com uma breve afirmação de M.L. King Jr. que penso ser pertinente ao nosso testemunho cristão: “É necessário deter a reação em cadeia provocada pelo mal, em que ódio gera mais ódio e as guerras produzem mais guerras, para não sermos lançados no abismo da aniquilação”.