A Igreja e a Política
A Igreja e a Política militam em esferas diferentes, mas nem por isso antagônicas, pois cada uma cumpre sua vocação dentro da esfera a que se propõem. Elas militam em esferas diferentes porque possuem naturezas distintas, isto é, a Igreja adora a Cristo, proclamando o seu evangelho através de palavras e ações, enquanto a Política legisla e administra a “polis” (daí o nome política), para o bem-estar de seus cidadãos. Martin Luther King Jr. disse que “a igreja não deve ser a ferramenta do Estado, mas a sua consciência”, demonstrando bem as duas esferas de ação. Contudo, nós cristãos, devemos ser bons cidadãos da “polis” do homem e da “polis” de Deus ou, nas palavras de Agostinho, da cidade dos homens e da cidade de Deus, demonstrando assim nossa dupla cidadania.
Aproximam-se as eleições. Os ânimos de muitos tendem a se acirrarem. Como em todo país democrático o voto é um direito e uma imensa responsabilidade. O voto não tem preço, mas tem conseqüências. Sua má utilização perpetua a esteira de corrupção, jogos de poder e de interesses pessoais. Temos a responsabilidade, como cidadãos da polis, de nortear nossas escolhas pelo padrão ético das Escrituras Sagradas com liberdade de opção, mas submissos a nossa regra de fé e prática, a Palavra de Deus. Nossas escolhas na hora do voto devem se fundamentar, portanto, na natureza da política e na natureza do evangelho. Vou explicar.
Como natureza da política está o atendimento aos interesses fundamentais da população, a saber: a administração pública de acordo com a lei; a promoção do crescimento social, educacional e econômico; o cuidado e ampliação da infra-estrutura básica para uma vida digna e saudável; o cultivo da cultura nacional, saúde e lazer; o cuidado com a saúde e a segurança pública; a promoção de liberdades individuais cerceada pelo bem geral da comunidade; dentre outras. Tudo isso faz parte da natureza da política, ou seja, daquilo que se espera de uma boa política na qual o bem-estar e o desenvolvimento da comunidade são imperativos fundamentais.
Como natureza do evangelho está a proclamação da mensagem salvadora de Cristo, as missões mundiais, o amor ao próximo, a graça, a família, a compaixão pelo que sofre, a ética nas relações humanas, o perdão ao que nos agride, a santificação, a misericórdia, a honestidade e integridade na conduta, a mansidão, a humildade, dentre outras. Tudo isso faz parte da natureza do evangelho, da qual a Igreja é a sua agência vivencial e proclamadora na terra.
Cuidemos, portanto, de não misturar as esferas de ação. Uma Igreja, como instituição, que flerta com a política corre o risco de adentrar por caminhos perigosos, confundindo assim a sua vocação e natureza primordial, correndo o risco de perder sua influência e autoridade advindas de Cristo e de seu bendito evangelho. Com isso não estou dizendo que o cristão não deva se interessar por política. A política é um dom e uma vocação dada por Deus, fruto de sua graça comum, plenamente digna e necessária para o desenvolvimento humano. Quem dera se mais cristãos nascidos de novo pudessem abraçar tão sublime vocação. O que é perigoso, volto a dizer, é o envolvimento da Igreja como instituição em uma esfera que não lhe compete. O contrário também é extremamente perigoso, a saber, quando a política e o Estado interferem na Igreja, ditando-lhe regras e normas que não são da sua esfera de ação, nem de sua autoridade. A história já deu mostras do perigo da união entre a Igreja e o Estado. Vamos aprender com os erros do passado para não reeditá-los com consequências ainda piores.