Como observar a moral e os costumes dos povos de outras nações
Ganhei de presente o livro Como observar a moral e os costumes, de Harriet Martineau (1802-1876), escritora britânica. Eis uma obra que se apresenta como extemporânea e ao mesmo tempo fundadora, talvez dos estudos antropológicos-filosóficos sobre as trocas culturais daqueles que, em circunstâncias ótimas, poderiam trafegar pelos mais diversos países do mundo. Essa é a grande marca de Como observar a moral e os costumes, de Harriet Martineau, uma autora que permaneceu um tanto esquecida pelo nosso cânone humanista e agora está ao dispor para nosso público.
Cabe ressaltar que observar a moral e os costumes não é observar a moral e os “bons costumes”. Não se trata de uma obra de prescrições normativas, mas sim uma análise apurada pautada pela compreensão do modo de ser do outro dos países estrangeiros, respeitando a sua alteridade. Ainda que uma obra redigida em meados do século XIX e no período de consolidação da Modernidade e seus inerentes traços eurocêntricos, Como observar a moral e os costumes, respeitando-se as inerentes limitações axiológicas do período histórico, é um belo avanço crítico acerca da situação humana em sua transitoriedade existencial em seus fluxos de conexão com outras nações. Dessa forma, por mais que seja uma obra que, ouso dizer, apresenta uma espécie de ética turística, foge de qualquer estereotipação tão comum no encontro de alguém com o estrangeiro. Com efeito, é usual que o turista veja o povo visitado com o olhar complacente e eufórico, uma atitude que necessariamente não envolve a capacidade de compreender os seus signos e padrões comportamentais, ainda que sejam ações potencialmente respeitosas. Levando em conta todo o potencial turístico do nosso mundo atual, o fundamento da visitação é sempre o respeito pelo outro e seus valores. Dessa maneira, Como observar a moral e os costumes é uma análise prática que pondera acerca da importância de nós, enquanto visitantes do estrangeiro, sejamos capazes de respeitar os caracteres específicos de cada povo, em nome de um ideário verdadeiramente cosmopolita. Temos quem sabe uma obra precursora dos estudos decoloniais.
Renato Nunes Bittencourt, Doutor em Filosofia pela UFRJ e Diretor-Geral da RNB Cursos