O humor e a capacidade de rir em tempos aflitos
Quando exponho esta temática, para mais uma nova exposição de ideias, parto da noção de que o humor está presente desde que existe a Humanidade. Destaco, que trabalho inicialmente a noção de humor, enquanto uma arte de provocar o riso. Sem dúvida alguma, a capacidade de fazer rir, necessita de um talento nato, por parte do humorista. Desta forma, creio que não podemos perceber o humor como mera frivolidade ou boçalidade. Também não pode ser considerado, segundo minha percepção, apenas um mero divertimento. Soará cômico, mas considero o humor, enquanto uma atividade humana muito séria. Apesar de discordâncias referentes as minhas colocações que são muito benvindas, não podemos desconsiderar, que o humor e a capacidade de rir, inserem-se no fenômeno tanto existencial quanto social.
Significa dizer que as exibições de riso e as manifestações de humor, são um modo de afirmar a nossa existência e uma prática de comunicação social e coletiva. Essencialmente, em tempos aflitivos marcados pela crise pandêmica, guerras e etc., descortina-se um quadro de azedume existencial e social, a arte de fazer rir e a atitude de conseguir rir, ganham dimensões importantes, para manutenção de nossa existência.
A arte do humor carrega consigo, grandes tarefas: resistir as tragédias, renovar os espíritos, criar perspectivas estéticas de convivência, provocar a ação de refletir criticamente, sobre o nosso momento presente, a partir da gargalhada. O humor, não o simplório ou mercadológico, não debocha da dor da morte. Pode em realidade, fornecer os meios de rirmos daqueles que dela debocham e a ignoram, desvelando criticamente sua ignorância e cruel insensibilidade para com o sofrimento alheio. Assim, o humor sério, artístico e crítico, nos habilita a rirmos da barbárie humana e da banalidade do mal, não no sentido de mera diversão, mas como atitude criativa de combate ético e político, contra estas mazelas da existência humana.
A potência do riso, por sua vez, apresenta uma propriedade de corrosão. Segundo Luigi Pirandello: “O humor, decompõe aquilo que a ilusão faz a cada um de nós, isto é, pela construção que cada um faz de si mesmo”, ou ainda, pela “interpretação fictícia e em dúvida sincera de nós mesmos”. Deve-se rir daqueles que acreditam estar para além do bem e do mal. Possuidores da verdade moral e poder absoluto. Desejosos de se impor sobre os outros. Observemos que naquilo que possui de corrosivo, o riso, decompõe ilusões, a começar pela ilusão da constituição de sentido para a vida, abrindo a possibilidade de que novos sentidos mais leves e alegres, possam ser construídos. Todavia, não é a forma do riso vazio ou do idiotismo a qual nos referimos. Rir e gargalhar aparecem como formas de sabotagem e mesmo de autossabotagem que, no pensamento do filósofo alemão Nietzsche, estariam relacionadas ao prazer no absurdo oriundo da inversão de uma experiência considerada aflitiva em seu contrário. Esta é a “Grande Saúde” que se opõe ao riso enfermo e ressentido a existência. É de fato o riso jubiloso que nos liberta das enfermidades aflitivas da humanidade, iludida, ressentida e mal-humorada. O humor e o riso nos permitem amadurecer existencialmente.
Nietzsche compreende por amadurecimento, não o abandono do riso, mas o seu aprimoramento. Citando Nietzsche: “significa reaver a seriedade que se tinha quando criança ao brincar” (Nietzsche, GB/BM§94,71,2004). Fazer rir e conseguir sorrir, funcionam como obstáculos à produção de subjetividades ressentidas e mal-humoradas, com as condições de sua existência. Só reproduzem ódios e pessimismos. São inférteis na capacidade de criar estilos de vida mais lindos e felizes. Podem negar a vida, provocando a morte. Assim sendo, uma paródia inteligentemente crítica, se faz necessária para chacotearmos os negacionismos, as brutalidades e os obscurantismos, que ameaçam destruir a alegria do existir.
NIETZSCHE, Friedrich W. Além do bem e do mal (GB/BM). Trad. Paulo César de Souza. 2a ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.
PIRANDELLO, Luigi. O humorismo. Trad. Dion Davi Macedo. São Paulo: Experimento, 1996.
Rogério Luís da Rocha Seixas
Rogério Luís da Rocha Seixas é Biólogo e Filósofo Docente em Filosofia, Direitos Humanos e Racismo Pesquisador do Grupo Bildung/IFPR e-mail: rogeriosrjb@gmail.com