O Brilho de Francisca
Na última semana, fui convidado a participar da pré-estreia exclusiva do filme O Brilho de Francisca, em Cianorte. Antes de comentar sobre o filme em si, é importante destacar a importância de ver o poder público caminhando lado a lado com os artistas locais. Esse filme só foi possível graças ao apoio da Lei Paulo Gustavo, bem como à parceria com a Secretaria de Cultura de Cianorte, que confiou aos artistas da cidade e região a missão de levar para as telas a cara, os costumes e o sotaque do noroeste do Paraná. O projeto também envolveu o Núcleo de Cinema Amenorte (NUCINORTE), formado por grupos como a Cia de Teatro Boal, Mazin Produções e Nodinha Produções, e colocou Cianorte e toda a região no mapa da cinematografia nacional. Em tempos em que a arte brasileira enfrenta tantas dificuldades, é satisfatório ver artistas criando e entregando sua arte diretamente para o público local, com o cinema surgindo novamente de forma tão vibrante e autêntica. Este é, sem dúvida, um reflexo do orgulho e da esperança pela arte brasileira.
O jovem e experiente diretor Douglas Espinosa conduz a trama com diálogos afiados, capazes de provocar empatia ou aversão pelos personagens, trazendo à tona emoções genuínas. O mais interessante é que o filme, de maneira sutil, permite ao público enxergar seus próprios conhecidos nos personagens, seja entre amigos, familiares ou até mesmo no espelho. Cada um deles, com seus defeitos e qualidades, reflete facetas humanas e autênticas, o que contribui para uma narrativa que é, ao mesmo tempo, universal e intimista.
A fotografia de Marcell Noda merece um destaque à parte. As cenas externas são deslumbrantes, mostrando não apenas os encantos da cidade onde o filme foi rodado, mas também as belezas típicas das cidades do noroeste do Paraná. O prólogo, com seus planos abertos e foco na correria pacata do cotidiano da cidade interiorana, é um espetáculo visual, despertando no espectador uma sensação de encantamento e pertencimento.
O Brilho de Francisca é um drama moderno, com uma boa dose de romance não correspondido. Inicialmente, o filme parece se concentrar nos dilemas da juventude atual, marcada por desejos, anseios e a falta de planejamento. Contudo, à medida que a trama se desenrola, fica claro que o real foco do filme está nas relações humanas, especialmente nas amizades intergeracionais. A história explora a ideia do “impossível plausível”, mostrando que, em um mundo cada vez mais etarista, é possível e autêntico haver amizade entre gerações distantes.
A história original é de Juliana Maciel, que também integra o elenco, e o roteiro é assinado pelo diretor Douglas Espinosa. A trama acompanha Tom, um cuidador de idosos interpretado por Fábio Mazin, que, ao enfrentar a gravidez inesperada da noiva, decide procurar um emprego melhor. Ao sair de uma clínica de idosos, ele é contratado para cuidar de Francisca (Eliane Medeiros), uma escritora na terceira idade, mas cheia de vitalidade. Ao longo do filme, a relação de Tom com a noiva Mariana (Juliana Maciel) e com Francisca muda sua percepção sobre a vida e as decisões que toma, colocando tudo em risco.
Mais do que um simples drama/romance, o filme investiga as dificuldades geracionais em se conviver e se relacionar. Mariana, representando a Geração Z, encarna a busca pelo bem-estar e individualidade, algo por vezes irritante. Tom, por sua vez, é um representante da Geração Millennial, que quebra padrões tradicionais, como o conceito de permanência em um trabalho fixo ou a obrigação do casamento. Francisca, por fim, personifica a Geração Baby Boomer, com sua valorização da erudição, engajamento social, proatividade e resiliência. A química entre os atores é uma das grandes forças do filme, com destaque para a atuação de Fábio Mazin, que conduz a história com segurança. Juliana Maciel, por sua vez, surpreende ao gerar tensão e desconforto no público, enquanto Eliane Medeiros, estreante, traz uma interpretação contida, mas de presença marcante.
Vale ressaltar a aposta do filme em estreantes, como Roberto Martins, que pode dar a impressão de um tom amador, mas, ao contrário, essa escolha evidencia o caráter inclusivo do projeto. Ao dar espaço para novos talentos, o filme transmite uma mensagem de que qualquer um pode ser parte da arte cinematográfica, não importa seu nível de experiência. Isso é algo muito importante, especialmente em uma região onde o cinema é um campo menos explorado.
Em termos de produção, a equipe enfrentou o desafio de realizar um longa com um orçamento modesto, mas se saiu muito bem. Com criatividade, o filme desenvolve a história por meio de diálogos afiados e locações internas, sem perder a intensidade dramática. Detalhes como a presença de um pôster de Audrey Hepburn na parede de Francisca ou os livros em seu ambiente — incluindo o clássico 1984, de George Orwell — não são apenas elementos estéticos, mas também um reflexo da personagem e da crítica velada à manipulação da verdade. Esse contraste é fundamental para a dinâmica da trama, especialmente em um jantar entre os três personagens principais, que oferece um clímax repleto de tensão e emoção.
O Brilho de Francisca teve casa cheia em sua estreia especial, porém, o sucesso e o interesse foi tamanho, que, ao que tudo indica, haverá uma nova sessão especial, porém, ele ainda não está disponível para o grande público. Nos próximos meses ele participará de mostras e festivais de cinema ao redor do Brasil e chegará as telas apenas no final do ano. Porém, quando estiver disponível, vale a pena ser visto porque essa é uma obra que mistura talento local, uma narrativa tocante e uma exploração única das relações humanas. É uma história sobre a beleza e as dificuldades das convivências intergeracionais, e como, em um mundo cada vez mais fragmentado, a amizade e o entendimento podem florescer, independentemente da idade. O filme é uma ode ao cinema brasileiro feito com dedicação, sensibilidade e um olhar atento para as nuances da vida cotidiana.
Por isso, vale a pena guardar essa dica e aguardar até que o filme esteja disponível nos cinemas da região. Afinal, não é sempre que a Sétima Arte se aproxima de nós de forma tão palpável, a ponto de nos vermos refletidos nela. Vida longa ao cinema paranaense, que venham muitas outras obras em breve! Boa sessão!