Ignorantes ou perversos?
Em O Amor, Clarice Lispector dá vida a Ana, mulher devota à família e tranquila que de repente, que ao se deparar com um cego mascando chicletes, se vê desperta de seu mundo perfeito. A partir daí, uma angústia e inquietude passam a habitá-la de maneira a colocar em xeque toda sua existência. A cena a desperta da alienação que sempre viveu, mostrando a realidade cruel e dura. Porém, depois de muito se sentir suja e convidada a estar ao lado do cego, se afasta “do perigo de viver”. E tudo volta a ser como dantes...
Para somar com o clarão temporário de Ana, trago três situações distintas. À medida que as apresentar, farei uma perguntinha simples a fim de auxiliar na conclusão ou induzi-los a concordar comigo. Vai que dá certo e eu trago mais pessoas para a comunidade!
Sou professora da Educação Básica, creio que todos que me leem sabem disso. E quem começou agora, acabou de ter ciência. Independente de ser no centro da cidade ou nas regiões periféricas, existe algo em comum na frente da maioria esmagadora das escolas: o quebra-molas. Por que colocar lombadas – no plural mesmo, às vezes são duas ou até quatro – na frente de instituições de ensino?
Segunda situação: vamos, eu e meu marido, ao supermercado, no mínimo uma vez por semana. Por razão de saúde, tenho direito a estacionar em vagas especiais. Esses dias, ao tentar colocar o carro em uma dessas vagas, percebemos que estava ocupada por TRÊS carrinhos de compras vazios.
O que faz pessoas saudáveis e jovens deixarem seus carrinhos naquele exato lugar?
Por fim, vamos a última. Sempre que posso, faço uma boa caminhada pela manhã – nos atuais dias de inverno, quando a chuva deixa. É maravilhoso! Fico mais disposta, o cérebro mais afiado e quando deito a cabeça no travesseiro à noite, o sono é mais intenso. Vale a pena.
Entretanto recentemente, troquei o calçadão próprio de sempre, por uma avenida mais movimentada. Eis que, logo no começo dela, numa loja de revenda de automóveis, me deparo com diversos carros ocupando toda a extensão da calçada – largura e comprimento. Restou a mim e a outros pedestres que por lá também passavam, contornar e disputar espaço com os carros, motos e bicicletas que trafegavam.
E aí, desde quando a calçada, que é pública, virou estacionamento/vitrine de particulares?
Essas três situações são recorrentes nos quatro cantos do país, tenho certeza!
E agora, para fazer a ligação com o título dessa crônica, faço mais uma – quase última, perguntinha: É por desconhecer ou por perversidade que essas coisas se repetem?
Não ensejo fazer um discurso moralista, afinal, como diz o grande Nelson Rodrigues, por trás de todo defensor da moral, existe um grande canalha. Deixarei que cada um que me lê, faça seu autodiscurso, dando desculpas para se próprio ou somando indignação comigo.
Mas, no intuito de fazê-los tomar a direção contrária à de Ana, pergunto, por fim – enfim! Quando foi que desembocamos na cumplicidade e nos alienamos do viver?