As peneiras da escrita
Uma casa não é construída do dia para a noite e ao longo da construção muitos problemas surgem. Mesmo após a conclusão dos serviços há lugares para arrumar. Essas questões fazem parte até do universo dos melhores construtores. Tal raciocínio se aplica para quase tudo, sendo que com o ofício da escrita também se aplica.
Um texto é semelhante a uma casa. Não é construído do dia para a noite. A função do escritor, tal qual outras funções na sociedade, demanda tempo e empenho. Pobre do escritor que parar no tempo ou que ficar anos sem praticar a escrita, poderá escrever um simples “olá” com dificuldades e poderá receber um “tchau” do leitor.
Para se construir um texto com zelo é preciso purificá-lo, naquilo que será chamado de peneiras da escrita. E quais peneiras seriam essas? O tempo, os olhos, um amigo, um corretor de texto.
O tempo é fundamental. É preciso deixar o texto adormecer na gaveta para depois ser retrabalhado. Geralmente trabalhos apressados também apressadamente são tragados pelo tempo.
Os olhos também são importantes, pois o escritor precisa ver o que escreve. Com isso significa que um cego não pode escrever? Nada disso. A questão aqui é metafórica, pois o escritor depende de se entregar ao trabalho (vê-lo) diversas vezes. O problema é que o escritor pode ficar cego para o que escreveu.
A quem escreve é valioso ter um amigo como leitor. Um outro par de olhos ajuda a purificar o texto. Feliz de quem consegue um amigo leitor para lhe acompanhar ao longo das letras.
Um corretor de texto, ferramenta disponível em computadores e celulares, também favorece a escrita. Porém, às vezes tal ferramenta atrapalhada, logo, nada substitui o ser humano no que tange à criação literária.
Mesmo após o crivo das peneiras, ainda pode ser que um artigo e um livro tenham erros de escrita. Por erros de escrita estou entendendo erros de digitação e de concordância. Nesse caso é de bom tom que o escritor, se possível, os corrija, pois esse tipo de contratempo prejudica a unidade e a seriedade do trabalho.
O presente artigo esbarra, inevitavelmente, em outras duas questões sobre a escrita: o trabalho acadêmico e o trabalho jornalístico. Eles possuem abordagens distintas e merecem ser exploradas.
O trabalho acadêmico se divide desde o mais básico, que são textos exigidos pelos professores nas várias disciplinas (ordinários), até dissertações e teses. Trabalhos ordinários usualmente têm mais erros, tanto conceituais quanto de escrita, até por causa da celeridade que devem ser feitos. Nenhum professor deve levar esse tipo de atividade “a ferro e fogo”, pois é idealizar o que não pode ser idealizado – se é que algo pode ser idealizado. Por outro lado, há trabalhos que demandam grande fôlego, como são as dissertações e teses.
A dissertação é uma atividade geralmente desempenhada no mestrado e leva dois anos para ser feita. O tempo é curto: o mestrando tem que cursar várias disciplinas e escrever vários artigos. Quanto à tese, o tempo geralmente é de quatro anos e exige sobremaneira do doutorando. Diante da seriedade desses trabalhos e do impacto que eles recebem na academia e na sociedade, o cuidado com a escrita deve ser total. O orientador é uma peneira valiosa nesse caminho. Todavia, nem por isso a escrita desses trabalhos fica imune a erros. Na verdade, tudo flerta com o erro. A ciência é assim.
Já a escrita jornalística é de outra natureza. Ela traz em si a rapidez do momento. Não é possível que um texto jornalístico seja concebido em quatro anos. Que jornal aguentaria tamanha morosidade? Por causa da rapidez é mais frequente que jornalistas cometam deslizes tanto de conteúdo quanto de escrita. Os jornalistas mais experientes e dedicados cometem menos erros, mas ainda assim é comum ver em jornais palavras erradas e notas para consertar informações. Faz parte, e o bom jornal é aquele que tem em vista toda essa dificuldade e não se torna omisso, conivente com os erros.
Vale a pena conjugar:
Eu erro
Tu erras
Ele erra
Nós erramos
Vós errais
Eles erram
Escrever é uma atividade que exige demais da pessoa. O ombro do escritor pode viver com dores, às vezes menos, às vezes igual, às vezes até mais do que o ombro de um pedreiro. Ambas profissões constroem obras que podem ter problemas e que exigem o máximo de zelo possível.