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O caso do professor substituto


Por: Dr. Felipe Figueira
Data: 14/04/2020
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No artigo “Dois ataques ao magistério”, critiquei dois preconceitos que se dão contra a esfera educacional, a saber: “1º Professor não consegue perceber o endividamento das pessoas porque o seu público é diferente, não é de adultos, mas é formado por crianças e adolescentes” e 2º “O mundo está caindo aos pedaços por causa da inflação e do aumento do dólar, mas professor não está nem aí com isso porque todo dia primeiro o dinheiro está na conta”. Todavia, sob indicação da amiga e bibliotecária Zineide Pereira, faltou analisar algo fundamental e problemático ao universo docente: há uma verdadeira multidão de professores substitutos, também conhecidos como “PSS”, que compõem as escolas e também as universidades brasileiras.

A situação do professor substituto, um tanto diferente da do docente concursado, que possui estabilidade e regime de trabalho fixo (o que não devem ser vistos como um luxo, conforme analisado tanto no texto “Dois ataques ao magistério” quanto no “Você dá aula?”, publicados nessa Coluna), é marcada pela instabilidade e pela insegurança. Todo início de ano o professor, em regra alguém já graduado e com pós-graduações, fica apreensivo para saber se terá aulas à sua disposição, sendo um tanto óbvio que a remuneração variará de acordo com a quantidade de aulas a serem ministradas. Como se não bastasse essa instabilidade de carga horária, esta ainda é possível de ser preenchida não só em uma escola, podendo fazer com o que o profissional tenha de trabalhar em duas, três, quatro escolas (até em cidades diferentes). E quem imaginar que a remuneração do docente será alta, está enganado, seja porque o valor da hora-aula geralmente é baixo, seja porque parte do salário fica nas estradas. Apenas dois adendos: primeiro, a carga horária pode não ser distribuída necessariamente ou sem sua totalidade no início do ano, mas pode ocorrer ao longo do período letivo, sendo comum, a título de exemplificação, ver professores substitutos só conseguindo vinte horas semanais em setembro, outubro ou novembro; segundo, mesmo professores concursados acabam por lecionar em mais de uma escola.

Não se trata de fazer do professor um mártir, porém, o princípio aqui proposto é criticar, desconstruir o pensamento de que o professor, como regra, é alguém dotado de seguranças. A docência não pode ser vista enquanto uma unidade, mas enquanto pluralidade. Nos termos do filósofo francês Gilles Deleuze (1925-1995): o múltiplo “(...) é a manifestação inseparável, a metamorfose essencial, o sintoma constante do único” (DELEUZE, 1976, p. 19). Traduzindo: há inúmeras diferenças entre os professores, e turvá-las é perigoso e problemático.

A partir dessas breves considerações, que são desdobramentos do texto “Dois ataques ao magistério”, se percebe que a docência é mais complexa do que se apresenta à primeira vista, sendo que para se conseguir uma remuneração mais digna o docente precisa lecionar, frequentemente, quarenta, cinquenta horas semanais, tendo a insegurança, ainda por cima, no caso do professor substituto, de nada ter ou pouco ter para trabalhar a cada início de ano. Assim sendo, dizer que o professor não se importa com o que se passa no mundo, que ele pouco se incomoda, por exemplo, com a economia, é uma visão preconceituosa, uma atitude que opera tanto na esfera do consciente quanto na do inconsciente.

Gilles Deleuze. Nietzsche e a filosofia. Trad. de Edmundo Fernandes Dias e Ruth Joffily Dias. Rio de Janeiro: Editora Rio, 1976.

 

Dr. Felipe Figueira

Felipe Figueira é doutor em Educação e pós-doutor em História. Professor de História e Pedagogia no Instituto Federal do Paraná (IFPR) Campus Paranavaí.


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