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Comentários sobre arte


Por: Dr. Felipe Figueira
Data: 31/08/2023
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Aos dezoito ou dezenove anos de idade, um escritor de Paranavaí publicou um livro de poemas. Os poemas eram até razoáveis, mas, alguns leitores não pouparam críticas negativas. Resultado? O escritor se cansou dos comentários desfavoráveis, recolheu o máximo possível de livros e os queimou. Talvez por causa da inexperiência, o jovem autor não se deu conta de que uma vez publicado um material a recepção já não depende mais da vontade do idealizador.

O cineasta estadunidense David Lynch, mais experiente que o escritor paranavaiense, é categórico quando lhe perguntam o que ele quis dizer com determinado filme. Em síntese, a resposta é a seguinte: um filme demora anos para ser concebido, alguns meses para ser gravado, o que torna impossível que ele, diretor, fale algo sobre o filme em um minuto. O diretor também diz que a obra fala por si só e que cabe a quem assiste tirar suas próprias impressões. E daí que o curta-metragem “What did Jack do?” (em tradução livre, “O que Jack fez?”), que tem como enredo um investigador a interrogar um macaco suspeito de homicídio, for apenas um roteiro “maluco”?

A literatura, a criação artística como um todo, não é como uma “receita de bolo”. É impossível a literatura ser concebida como um passo a passo, o que faz com que o trabalho do crítico, se não compreender a singularidade da criação artística, seja uma das tarefas mais pedantes possíveis. O poeta alemão Rainer Maria Rilke (1875-1926), em “Cartas a um jovem poeta”, é categórico: “Obras de arte são de uma solidão infinita, e nada pode passar tão longe de alcançá-las quanto a crítica” (RILKE, 2010, p. 35).

Com os comentários anteriores o trabalho da crítica encontra-se por terra? Não. Todavia, o crítico, assim como o tradutor, tem de ser, se possível, tão artista quanto o próprio artista. É claro que há trabalhos literários de péssima qualidade que deveriam ser desqualificados quase que de plano, porém, isso já é outra história.

        Ademais, há quem leia o “Ulisses”, de James Joyce (1882-1941), e o considere terrível de ser lido, mas, ao final, aprecia a obra. Porém, também há aqueles que leem o referido clássico e não apreciam. A questão que fica diante dessas impressões é: e daí? Por causa de uma e de outra visões (e de tantas outras) o trabalho de Joyce é mais ou menos válido? Enfim, quem se coloca a realizar algo no universo artístico, deve estar ciente de que não há unanimidade em praticamente nada no mundo. Por que quanto às artes haveria?

A arte é um âmbito do conhecimento humano que, por mais que tenha alguns parâmetros de leitura, pode (e até deve) ser lida de forma individual e, enquanto tal, ser assim compreendida. Sérgio Rubens Sossélla, a título de exemplo, fez uma literatura mais voltada ao autor. Assim, por que é preciso que a arte tenha e que o artista dê tanta facilidade de acesso e chaves de leitura? Significa, com isso, uma defesa da “arte pela arte”? Também não. O surrealismo foi “arte pela arte”? Não. Havia toda uma crítica por trás dos trabalhos de Salvador Dalí (1904-1989) e Luis Buñuel (1900-1983). Acontece, isto sim, que a arte nunca foi e nunca será um dos trabalhos de mais nítida compreensão, como uma “receita de bolo”.

RILKE, Rainer Maria. Cartas a um jovem poeta. Trad. de Pedro Sussekind. São Paulo: L&PM: 2010.

Dr. Felipe Figueira

Felipe Figueira é doutor em Educação e pós-doutor em História. Professor de História e Pedagogia no Instituto Federal do Paraná (IFPR) Campus Paranavaí.


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