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As infidelidades cristãs ao Cristianismo


Por: Luciano Rocha Guimarães
Data: 10/02/2022
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As infidelidades cristãs ao cristianismo ocorreram e, de certo modo, sempre ocorrerão no meio da cristandade. Elas são individuais ou coletivas e, apesar de incontáveis, difíceis de determinar. Representam desvios, em certo sentido, teológicos e estruturais, que constituíram afastamentos da fé ou das exigências dogmáticas e morais.

No começo do cristianismo já se observam desvios surpreendentes: a resistência dos judeus em aceitar Jesus como o Messias, a resistência à universalidade da mensagem do evangelho para além do povo judeu eleito, a expectativa de um Messias político, a introdução dos conceitos filosóficos helênicos na fé, a busca do martírio como excesso de zelo ou desejo de perfeição, o aproveitamento pela igreja de certas estruturas políticas com uma aproximação perigosa aos poderes seculares, dentre outros. À medida que a igreja vai se consolidando, as tentações multiplicam. Vejamos.

Como instituição consolidada, a igreja começa a ter importância não só religiosa, mas, em certa medida, temporal: poder, riqueza, influência e interesses pessoais se assomam. As discussões teológicas, quando existem, se deixam influenciar por motivos que não são o respeito ao sentido fiel e justo da revelação. Há rivalidades e a formação de grupos afins, vinculados a denominações, comunidades sociais ou tradições culturais, enfim, a vaidades pessoais. As soberbas humanas, desde o cisma entre Roma e Constantinopla, tomaram o centro do palco, transformando o cristianismo em uma imposição como um poder temporal. Estas atitudes, que levaram às guerras de religião, foram impetradas tanto por católicos quanto por protestantes. As conexões temporais, políticas ou de outro tipo que queiram chamar, foram decisivas nas guerras que tomaram a religião cristã como pretexto. O odium theologycum foi freqüente. As discussões foram muitas vezes mais partidárias do que intelectuais. É incalculável o dano que isso causou ao cristianismo, e que ainda tem causado.

Há outras formas mais modernas de infidelidade ao cristianismo.  A aversão ao mundo, ou ao humano, tem sido uma recorrente tentação. O pretexto parece ser o mesmo: o rigor ascético, como se a criação de Deus fosse agora eleita como inimiga. Com isso, a igreja perde sua capacidade de ser “sal da terra e luz do mundo”, além de criar subculturas cristãs herméticas e preconceituosas. A perigosa aproximação dos poderes seculares e políticos parece-nos ser outra tentação. Ela é inquietante em dois sentidos: o primeiro, o de servir-se deles em benefício de uma tendência ou interesse particular; o outro, o de depender desses poderes, ou seja, deixar-se utilizar ou manipular por eles. Não é isso que temos visto? Não há em nossos dias uma aproximação perigosa com estes “poderes”, utilizando-se de uma infundada desculpa de fazer avançar o reino de Deus? O que muitos destes querem é fazer avançar o seu império pessoal.

Contudo, a infidelidade mais grave que postulo talvez seja a que tem maior penetração em nosso tempo: o esquecimento da outra vida. Para muitos, e por que não dizer para a grande maioria, hoje o mundo atual é o único horizonte possível. Como conseqüência de vários fatores, foi-se dissipando a referência à vida eterna, a projeção para uma vida além da que existe. Com isso, tal situação reduziu Deus a uma simples declaração nominal na qual raramente se pensa. E quando se pensa, pensa-se para saciar a condição atual, esvaziando o cristianismo de um de seus mais sublimes e principais conteúdos, a vida com Deus! Esta é a situação de grande número de pessoas que se consideram cristã: católicas, ortodoxas ou protestantes. Para elas, o céu é o limite, conquanto devesse ser o destino. Estas são, por enquanto, algumas infidelidades ao cristianismo que observo.

Luciano Rocha Guimarães


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