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Sobre quebra-cabeças e cabeças com dúvidas


Por: Dr. Felipe Figueira
Data: 14/09/2021
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Tenho décadas de estudos, mas com frequência me deparo com o seguinte dilema: o que eu sei, afinal? E chego à conclusão de que o que eu sei é levantar questões, pensar a partir de palavras-chave e, talvez, ver o conhecimento como se fosse um quebra-cabeça. Dificilmente sei algo com um todo, por mais que eu o tenha estudado.

Cursei História e só sei flashs sobre a história da humanidade. Consigo fazer uma cronologia da história do Brasil? Sim, mas cheia de lacunas. Não raro a “síndrome do impostor” chega ao meu ouvido e diz: “você é mesmo professor de história?”

Cursei Pedagogia e nunca alfabetizei uma criança ou desenvolvi atividades com papel crepom. Eu sei que não é legal eu dizer o que não sei, mas, qual o problema nisso? Alguém é obrigado a se passar por super-herói? Se sim, é porque a sociedade se infantilizou.

Cursei Direito e quando fiz as provas da OAB me surgiram dúvidas no horizonte: o que eu sei de processo, afinal? Agora eu posso defender e ajudar a condenar alguém, mas, com que autoridade? O vade mecum funciona no dia a dia? Eu tenho mais perguntas do que respostas.

Com as interrogações acima deu para perceber que sou repleto delas. Quando começo a aprender determinado assunto, no começo vou bem, até deslancho, mas depois sinto que nada sei. Esse desconhecimento se dá geralmente quando completo três semanas de estudos ou um mês. Com o inglês foi assim. 

Quando eu estava na Nova Zelândia, na segunda semana me senti um aspirante a nativo, porém, na terceira, foi como se alguém tivesse tampado meus ouvidos e minha boca. Que sentimento incômodo: como eu poderia antes saber e evoluir a passos largos e agora só ouvir ruídos? Esse é o momento em que alguém pode pensar em desistir, mas, não, esse não é o momento. Essa situação é apenas um caso de choque para o pensamento, onde ele está sendo colocado em xeque. Por que fugir dos conflitos? Não é melhor enfrentá-los e sair fortalecido? Depois da tensão vem o salto. Enfim, após, na sexta semana, voltei a evoluir e assim seguiu o curso do aprendizado. Hoje sei inglês? Não, mas sei que posso aprendê-lo. Testei os meus limites.

Quanto ao xadrez, o mesmo dilema que se passou com o inglês tornou a ocorrer. E cá estou, ao escrever este texto, em 31 de agosto de 2021, na terceira semana de aprendizado de xadrez. Estou perdendo de tudo e de todos. Minhas aberturas são loucuras; meus finais, repletos de “ais”. Minha professora de xadrez, Juliana Silva, que foi minha aluna de Química, pode pensar que sou uma decepção: “meu professor é tão fraco em xadrez”. Porém, isso sou eu pensando sobre o pensamento dela, quando o que ocorre é algo interessante: estou sendo alfabetizado nessa arte, e toda alfabetização (ao menos a de quem não é um prodígio) é cheia de percalços. Confunde-se o “m” com o “n”.

Por fim, décadas de estudos me levam, às vezes, também a conclusões: que nada, absolutamente nada, é aprendido de repente em sua completude, e que a disciplina é a mãe do aprendizado (mesmo para os prodígios). Se no final de um percurso a pessoa aprender a mexer um peão e a resolver alguns quebra-cabeças, o tempo destinado àquele ofício já valeu a pena. Todo avanço é um avanço.

Dr. Felipe Figueira

Felipe Figueira é doutor em Educação e pós-doutor em História. Professor de História e Pedagogia no Instituto Federal do Paraná (IFPR) Campus Paranavaí.


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