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“Gênesis”, de Sebastião Salgado


Por: Dr. Felipe Figueira
Data: 07/06/2021
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Conheci as obras de Sebastião Salgado no ensino médio, entre 2003 e 2005, e nunca mais parei de acompanhá-lo. Eu me fascinava com as suas grandes reportagens sobre os seres humanos, muitas vezes em situações trágicas, como na colossal “Êxodos”. Já professor no IFPR, em 2014, fui ao Museu Oscar Niemeyer (MON), em Curitiba, acompanhado da professora de espanhol e de alguns alunos, visitar uma exposição sobre Frida Kahlo. Porém, para a minha felicidade, também estava em exposição a obra “Gênesis” e ela foi tão impactante que me calou. O que dizer de um trabalho tão grandioso? Absorvido pela vida, não pensei duas vezes: saí da exposição e adquiri, no próprio Museu, o livro homônimo. Perdi as contas do tanto que folheei essa grande reportagem do mestre da fotografia, e do tanto de vezes que a indiquei para colegas e alunos.

            Após adquirir “Gênesis”, foi a vez de comprar “Êxodos” e a autobiografia “Da minha terra à Terra”, e será a partir dessas três obras que esta resenha se guiará. Para início de conversa, convém citar a metodologia de trabalho do fotógrafo:

 

Quem não gosta de esperar não pode ser fotógrafo. Em 2004 cheguei à ilha Isabela, em Galápagos, aos pés de um belíssimo vulcão chamado Alcedo. Deparei-me com uma tartaruga gigante, enorme, de no mínimo duzentos quilos, da espécie que deu nome ao arquipélago. Cada vez que me aproximava, a tartaruga se afastava. Ela não era rápida, mas eu não conseguia fotografá-la. Então refleti e pensei comigo mesmo: quando fotografo seres humanos, nunca chego de surpresa ou incógnito a um grupo, sempre me apresento. Depois me dirijo às pessoas, explico, converso e, aos poucos, nos conhecemos. Percebi que, da mesma forma, o único meio de fotografar aquela tartaruga seria conhecendo-a: fiquei agachado e comecei a caminhar na mesma altura que ela, com palmas e joelhos no chão. A tartaruga parou de fugir. E quando se deteve, fiz um movimento para trás. Ela avançou na minha direção, eu recuei. Esperei um momento e depois me aproximei, um pouco, devagar. A tartaruga deu mais um passo na minha direção e, imediatamente, dei mais alguns para trás. Então ela veio até mim e se deixou observar tranquilamente. Foi quando pude começar a fotografá-la (SALGADO & FRANCQ, 2014, p. 9).

 

            Esta citação, extraída do início da autobiografia de Salgado, dá conta de tudo o que há de mais fundamental em seu trabalho, e bem poderia servir de guia para tudo na vida. se alguém quiser conhecer um filósofo, que não chegue de surpresa, afoito; se alguém quiser se maturar em uma profissão, deixe que ela crie corpo primeiro; se alguém quiser fotografar um animal, como é o caso de Sebastião Salgado, que saiba como proceder.

            Fico a imaginar o tanto de vezes que Salgado teve de se agachar e de esperar por horas e horas para um único clique. Todo o seu trabalho, se contado friamente, no caso, vendo só o que está publicado, não deve chegar a algumas horas, talvez nem isso. Basta a constatação de que um clique possui um tempo curtíssimo. No entanto, o que é óbvio, um clique não é só um clique, é um oceano, uma profundeza. As coisas na natureza não passaram a existir abruptamente, mas são fruto de maturação. Para que alguém venha a ser fotógrafo é preciso maturar, por isso, também, que é tão complicado dizer que só porque alguém tem uma câmera no celular (quase todos aparelhos têm) é fotógrafo, o contrário parece mais correto.

            O trabalho fotográfico, como o de Sebastião Salgado, em nada tem a ver com a liquidez tanto criticada por Zygmunt Bauman. As fotos de celular, comumente banalizadas, é que têm a ver com a liquidez, com o vazio de sentidos. É comum ver pessoas tirando fotos, todavia, sem sentirem a vida. tiram foto por tirar. Que ninguém leia tais críticas como moralismo, mas como denúncia. Já o trabalho feito em “Gênesis” é fruto de sentimentos, como o descrito pelo fotógrafo na passagem supracitada. Como é possível fotografar sem sentir a vida? impossível, e é justamente essa a lição de Salgado: que sintamos a vida e com ela nos comprometamos totalmente.

 

Sebastião Salgado & Isabelle Francq. Da minha terra à Terra. Trad. de Julia de Rosa Simões. São Paulo: Paralela, 2014.

_______________. Gênesis. Colônia: Taschen, 2013.

 

Dr. Felipe Figueira

Felipe Figueira é doutor em Educação e pós-doutor em História. Professor de História e Pedagogia no Instituto Federal do Paraná (IFPR) Campus Paranavaí.


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