A generic square placeholder image with rounded corners in a figure.


Sobre a escrita


Por: Dr. Felipe Figueira
Data: 21/12/2023
  • Compartilhar:

Para dizer um clichê: a escrita é uma atividade complexa. Complexa no sentido de depender de vários fatores. Engana-se quem acredita que o ato de escrever depende de um ato só – pegar uma caneta ou um computador e começar a digitar – e que será realizado instantaneamente. Um texto pode durar dias, meses, anos para ser concebido (e até mesmo não vir à luz).

         O pressuposto para a existência de um texto é o conhecimento da língua e o domínio prévio de determinado conteúdo. Não se escreve por escrever, ou seja, uma escrita zelosa está além de um despejar de palavras. É preciso conhecer as estruturas básicas – e aprofundadas – de um idioma, quiçá de outros idiomas. E ninguém escreve sem um conteúdo em vista, o que significa que para algo vir à luz é preciso um estudo sistemático. Ler, ver, sentir, apurar os sentidos, tudo se faz necessário para que um conteúdo seja apreendido.

         Quando o escritor começa a escrita há vários momentos difíceis. Há quem tenha dificuldade para começar, outros para seguirem adiante e outros para concluir. Há algo que me acontece com frequência: quando estou no meio de um artigo ou de um livro, olho para o que já foi feito e me angustio. Será que darei conta de continuar com a mesma qualidade? Será que o que eu disse não se passa de mera banalidade? E de dúvidas em dúvidas sigo até um ponto em que coloco o ponto final – às vezes, tal ponto são reticências...

         O artigo ou o livro foi finalizado. O que agora seguirá? Algo bom? Algo pífio? A questão é que outro dilema surge para quem se dedica a escrever: o futuro será tão bom quanto o que já foi feito? Essa preocupação não sai da mente de quem escreveu algo e gostou. O erro de muitos escritores é o de continuar a escrever sobre um mesmo assunto, mesmo erro verificado em continuações de filmes. Às vezes o melhor filme é o primeiro, o segundo perde força e o terceiro fica aquém do segundo. Essa é a impressão que tenho da trilogia “O poderoso chefão” e da tetralogia “Hannibal”.

         Foi dito logo no início que a escrita é uma atividade complexa. Costumo dizer que são raras as vezes que alguém escreverá sob “condições ideais de temperatura e pressão”. No Brasil, e isso é algo que pode se estender para o mundo, o escritor geralmente não é só escritor: ele é professor, advogado, jornalista, médico. A escrita, fatalmente, torna-se uma atividade secundária, ainda que de primeira importância para a pessoa. E no dilema do ideal versus real um texto pode demorar anos para ser escrito e uma obra-prima dificilmente será produzida. Um adendo: os concursos para docentes em regime de dedicação exclusiva permitem uma aproximação maior com a escrita, o que faz com que incentivá-los torne-se uma forma (in)direta de incentivar a própria criação literária.

         Sob a perspectiva aberta pelo parágrafo anterior é possível afirmar: as chances de uma obra de qualidade existir são praticamente zero. Qualidade é um termo subjetivo, mas, deixemos ele existir nesse texto. Para um texto existir é preciso de muitas horas de dedicação e no meio dos torvelinhos da vida as letras podem ceder espaço às leis, às aulas, às pautas, às consultas.

         Uma vez que a escrita não é uma atividade mecânica, ainda que exija muito dos punhos e do corpo como um todo, é preciso inspiração para um trabalho existir; transpiração também, mas sem menosprezar a inspiração. A inspiração é a vida do texto, o que o coloca acima do comum. É a inspiração um dom? É a inspiração fruto de muito esforço? São questões cujas respostas parecem não ser únicas, mas que uma resposta não exclui a outra.

         Enquanto o escritor desenvolve um trabalho, trata-se de uma atividade solitária. Poucas são as pessoas que acompanham um trabalho linha por linha, quando muito leem uma página ou outra. Há pouco retorno enquanto as letras são tecidas. Tudo isso significa que o escritor é alguém que se arrisca, que risca algumas ideias e depois as lança ao mundo, sem saber se o que retornará serão louros ou espinhos.

Dr. Felipe Figueira

Felipe Figueira é doutor em Educação e pós-doutor em História. Professor de História e Pedagogia no Instituto Federal do Paraná (IFPR) Campus Paranavaí.


Anuncie com Jornal Noroeste
A caption for the above image.


Veja Também


smartphone

Acesse o melhor conteúdo jornalístico da região através do seu dispositivos, tablets, celulares e televisores.