Para dizer o básico
Uma das coisas que me irritam é quando vou ao médico e a consulta não chega a cinco minutos. Para aumentar a minha irritação é quando tal médico diz, de forma fria, que devo mudar meu estilo de vida. Primeiro que a consulta deveria ser mais atenciosa e segundo que se a ideia é que eu devo mudar alguns hábitos é certo que eu entenda o porquê. Para o médico a minha consulta pode ser uma rotina, mas, para mim, não, eu quero entender o que se passa com o meu corpo, e também com a minha mente. Não me convenço facilmente com um simples “faça isso” ou “não faça isso”.
De maneira análoga, o professor deve entender que uma aula, sobretudo as de introdução, podem até ser rotina para o professor, mas não para o aluno. É preciso pensar as palavras e os exemplos de forma cuidadosa, e não só dizer “isso é assim e ponto final”. Uma aula bem pode funcionar como um acontecimento, como um divisor de águas acerca da criticidade.
O que está sentido dito até agora pode ser uma banalidade, mas pode ser básico para mim, que sou professor, ou para um colega de profissão, mas não para um aluno de graduação, um dos públicos dos meus textos. Na verdade, vendo sob outra perspectiva, o básico às vezes escapa até ao professorado, pois este pode ter se enfadado com a rotina e se deixado amortecer por certas habitualidades. Assim, o básico é sempre importante de ser trazido.
Já que o assunto é o básico, cabe trazer algo cotidiano na esfera docente. É comum ver alunos se revoltarem e destratarem professores. Em casos extremos existe inclusive violência física, e situações de violência não podem ser tampadas com a peneira. Entretanto, há também situações escolares que o aluno transfere para o professor certos incômodos que nada têm a ver de fato com o professor. Isso é um caso básico de transferência: o docente torna-se a imagem de outra imagem, esta sim o problema aos olhos do aluno. Neste tipo de situação é preciso que o professor não devolva pedra com pedra – aqui entendida enquanto um se igualar com o aluno -, mas é preciso adotar uma posição de desnível e de neutralidade. Desnível porque o professor está em uma condição diferente da do aluno; e neutralidade porque o professor não pode se levar pelo calor do momento.
Por mais elementar que seja a situação acima, não custa dizer, pois lembrar do básico também é aprender. Com tais conselhos o docente pode ver que há muitas saídas além da voz elevada em sala de aula ou do “manda quem pode e obedece quem tem juízo”.