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“Midiaserável”, de Delalves Costa


Por: Dr. Felipe Figueira
Data: 26/10/2020
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Delalves Costa. Midiaserável. São Paulo: Editora Patuá, 2020.

 

            Dizem alguns (tantos, que não vale nem a pena citar) que a poesia é o laboratório da escrita. Por esse gênero literário milhares de outros gêneros foram criados, inovados e, por causa da brincadeira com as palavras, muitas pessoas se viram em versos que inicialmente tinham outro sentido. Mas, ao final, quem realmente se importa com o purismo textual e com as rígidas (rígidas?) intenções do poeta? A poesia flerta com o todo e com o nada, como diz o poeta gaúcho Delalves Costa no livro “Midiaserável”.

            Quando o citado poeta brinca com o tudo e com o nada, isso não é sinônimo de relativismo, pois este, tão problemático, pode legitimar as mazelas sociais como frutos da preguiça e da vagabundagem de alguns e do vigor e do labor de outros. Contra esse relativismo social, Delalves Costa escreve, por exemplo, os poemas “Made in Brazil” e “Midiaserável”. No primeiro encontramos: “O catador pão-dormido então acordou/ envolto ao frio e vento/ sob notícias de jornal” (p. 21); e no segundo: “um bolso furado/ põe o sal do mês” (p. 20).

            Já que foi mencionado o engajamento político do poeta por um mundo melhor, há de se falar um pouco do próprio título do livro “Midiaserável”. Trata-se da junção e modificação de palavras bem conhecidas, “mídia”, “miserável” e “ser”, que, tornadas uma só, são representadas pela bela e trágica capa da obra: um bebê embrulhado em um jornal. Quantas leituras podem ser feitas dessa capa? Quantas leituras podem ser feitas do neologismo do título, recurso esse que Delalves tanto gosta? Impossível dizer, e é melhor que assim seja.

            Quanto ao tudo e ao nada e às brincadeiras com estas palavras, que, na verdade, são situações além das palavras, o poeta parece tocar, desconfiadamente, no interior da poesia. Desconfiadamente porque ele não consegue, quiçá não pode afirmar nada em definitivo, sob o risco de dogmatismo. Porém, quando ele diz que “Poema é coisa que guarda tudo/ contudo não guarda nada” (p. 30), parece que o interior da poesia foi visto.

            Há poetas cujos versos não chegam a duas linhas, também conhecidos, por bem ou por mal, por minimalistas, a exemplo do paranavaiense Sérgio Rubens Sossélla. Todavia, nesses breves versos, mundos são desvelados e, caso os sigamos, observando as linhas que eles conduzem, talvez, apenas talvez, passaremos a desvendar labirintos. Claro que um labirinto pode chamar por outro, pois a vida é cheia dessas artimanhas. É por essas e outras que todo cuidado com o tudo e com o nada é pouco, e talvez (sempre esta palavra que exala a limitação humana) entre um e outro exista a felicidade – ou não.

            O livro “Midiaserável” foi feito para questionar, para flertar com o inacabado, algo que o poeta diz textualmente em “O inacabamento”: “Tudo pode virar outra coisa/ quando se está em reforma” (p. 31).

 

Dr. Felipe Figueira

Felipe Figueira é doutor em Educação e pós-doutor em História. Professor de História e Pedagogia no Instituto Federal do Paraná (IFPR) Campus Paranavaí.


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